sábado, 20 de dezembro de 2008

Corporatês, o dialeto corporativo - aula 1

Uma vez trabalhando por muito tempo em uma corporação, é natural que você adquira fluência no dialeto corporativo. Até mesmo, você pode ser uma daquelas pessoas que consegue levar muito bem uma conversa agradável devido seu nível cultural elevado e sua experiência de vida. No entanto não sobreviverás por muito tempo no vilarejo das baias de seu departamento, caso não possua perfeito domínio do “corporatês”.
Saber falar com seus vizinhos de baia é mesmo que saber trocar uma idéia com os “manos lá da quebrada” – simplesmente fundamental. Há uma forma, uma entonação, uma piada na hora certa. Tal como a “vila dos mano”, na “vila do povinho da empresa” há regras de comunicação que o impedem de maiores contatos caso não as respeite.Escravos que não falam o corporatês são vistos com estranheza e, muitas vezes, de forma risível.
A Flavinha do marketing interno sempre estará fazendo, estará entregando, estará se reunindo e, ai de você se disser que a Flavinha fará, entregará ou reunirá. Certamente você “estará sendo visto” como um ET.
Engraçado mesmo, só o Renato da mesa. Ele não compra e venda ações. . .ele “TREIDA”( do verbo “treidar”). “Treida” aqui, “treida” ali, sempre “treidando”. Sua posição é mais radical. Por ser da mesa de operações, não conversa com pessoas que não “treida” e que não ganham bônus de 500.000,00 ( quando “treida” bem , leva um bônus milionário, isto segundo ele mesmo diz na mesa de happy-hour . . .nestas horas você se pergunta: poxa, se ele ganha um bônus desse, por que continua como analista Junior trabalhando 15 horas por dia???). Eu explico. O Renato não passa de uma telefonista de luxo, cadastrando, o dia inteiro, ordens de compra e venda no sistema e, no entanto, se acha um ícone fundamental nesse jogo de milhões. Neste mesmo jogo, sua desculpa oficial em caso de demissão é a crise. “EU ganho bônus, NÓS somos demitidos”. . . . Enfim, ele trEIda!
A Rê lá do marketing tem um terrível “tique nervoso”: Não fala meia frase sem despejar o seu famigerado “ANYWAY”. Pensando bem, o “anyway” jamais poderia ter significado algum em qualquer conversa, no entanto realça bem o espírito corporativo padrão, em que “de qualquer forma”, as coisas devem ocorrer. Seja qual for o motivo, ela emprega um “anyway” no início e outro no final da frase. Nem sequer percebe o quão irritante é para o ouvinte, mas, anyway...
Na mesma família, temos o pedante “whatever”. Foi muito utilizado no linguajar world business "mortadelonico" das baias no início da década, mas hoje perdeu grande “share in mind” (guardem esse termo para 2015 . .vocês parecerão verdadeiros moderninhos no meio dos novos recrutas escravos da próxima geração) para o anyway. Os dois apenas não são idênticos graças a uma peculiaridade do “whatever”. Ele é tão genérico, ambíguo e abrangente que pode ser utilizado in solo. O termo é totalmente auto-explicativo e responde qualquer pergunta. Tente você desafiar o “whatever”; faça qualquer pergunta de qualquer gênero e verás como ela pode ser respondida facilmente com um simples “whatever”. Por isso a Rebeca (responsável pelas viagens internacionais) co-assistente estagiária da Cris (secretária) guarda nas mangas um “whatever”, o qual é empregado sempre quando sua bagagem cultural já não consegue mais acompanhar a dimensão intelectual da conversa – o que acontece com grande frequência.
Paulinho consegue demonstrar sua classe até mesmo na bosta. Perceba que quando as coisas não dão certo, ele solta em alto brado retumbante no meio do departamento o seu “shit”(esta mania de merda foi adquirida nos seus tempos de mochileiro na Nova Zelândia. .ele sempre deixa bem claro esta excursão). Quando a “vaca vai mesmo para o brejo”, ele despeja o seu Bull shit. Paulinho sempre faz alguma merda, mas nunca perde sua pose de filho do amigo do diretor.
Admira-me muito o Fernando da área de business inteligence, que sempre performa muito bem. O dialeto corporatês é uma espécie de incorporação do business english com o português e isto é uma ofensa para as pessoas de bom gosto. Por que deve o Fernando “performar” bem ao invés de desempenhar bem?? Por que sua performance é melhor que seu desempenho ???? Whatever. . .
Fechando a classe dialética estrangeira do corporatês, temos o Augusto do planejamento estratégico, que graças o seu knowledge, deixa poucos pontos T.B.D (TO BE DEFINED) em seu checklist semanal e, além de tudo, não discute com os colegas por causa de “peanuts”.
Começo a perceber que falar português em corporações multinacionais (especialmente as norte-americanas) é inadequado: não soa bem tamanho provincianismo! As pessoas lá presentes não possuem nenhuma nacionalidade a não ser o de sua empresa. Certamente o Fernando, o Renato, a Rebeca e os demais são mais corporativos que brasileiros e nesta nova nação de escravos multinacionais, a língua-mãe - o corporatês - é uma grande identidade.
É importante notar que mesmo os termos e expressões idiomáticas não traduzidas para o inglês guardam relativa proximidade com a língua estrangeira: tal como nos EUA, todo mundo “estará fazendo”. Passei muitos anos refletindo sobre esta expressão do corporatês e cheguei a conclusão que ele recai como uma luva no espírito corporativo. Se o sempre “enrolão” Henrique disser que “vai fazer”, significa que não começou algo PRA ONTEM (vide próximos parágrafos) e isto pega muito mal. Mas se deixar claro que estará fazendo, "vai estar passando" uma imagem de “já estou me movimentando”. Tal como um robô corporativo, ele já está programado para estar fazendo amanhã.
Passemos para outra classe dialética do corporatês: as expressões de efeito. Teixeira (aquele que roubava caixas de caneta) era imperdoável: exigia tudo de seus escravos pra ontem. Portanto, por mais que isto o tenha sido solicitado hoje e você tenha entregado 10 minutos depois, encontra-se automaticamente um dia em atraso. Acho deveras engraçado o “pra ontem”. O boçal indiretamente faz uma auto-denúncia: se ele diz ser pra ontem e te pede hoje, muito provavelmente esta querela dormiu na mesa dele uns dois dias. Mas, bata continência! Ele é capitão do mato e você, o escravo.
Por falar em escravidão, temos dentro do sempre agressivo e imoral mundo corporativo um ditado, que pode ser considerado um dos maiores assédios morais a um funcionário por pior que ele seja. Ao som de Wagner (no melhor estilo judeus e a câmara de gás), Teixeira treina recitando estes versos diariamente na frente do espelho toda vez que deve repreender o encarregado do almoxarifado:

“Nós já te pedimos . . . não bastou
Agora estamos mandando,
se não bastar, nós te trocamos.”

Tradução: “O trabalho liberta” (Auchwitz -campo de concentração, Polônia)

O pessoal da controladoria internacional está sempre alinhado entre si e suas posições são sempre conservadoras. Quando ouço que todo mundo está alinhado, me vem imediatamente a mente, a imagem de todos os escravos da controladoria, o co-supervisor e o supervisor, em linha, fardados como combatentes de guerra contra o pessoal do comercial, principalmente na época da elaboração do “budget”.
Soa muito bem, sobretudo nas áreas financeiras, dizer que o departamento tem ou não “budget para isto ou aquilo”. Certa vez, ouvi um fulano dizendo que estava budgetando (???) determinado projeto !!! Ainda bem que ele não durou muito tempo por lá!!
O budget não me incomoda tanto quanto o “NA VERDADE”. Quando alguém inicia seu discurso com um “na verdade”, passo a ter em mente que esta pessoa vem me enganando há muito tempo. Depois de tanto ter conversado, ela me aparece com um “na verdade”, eu me sinto, mais uma vez, verdadeiramente traído no malicioso mundo corporativo.
No auge de sua agressividade, a mulher-madura Luciana.Hauber (a Lú da área de recrutamento), sempre me ataca com um belo: “ACHO QUE VOCÊ NÃO ESTÁ ENTENDENDO”. Respondo em mente que só ela consegue entender suas próprias imbecilidades. Perceba que a expressão “você não entendeu” é uma forma inconsciente de rebater a própria ignorância, pois em 90% dos casos, quem acusa o outro de não ter entendido, certamente não acompanhou a velocidade do raciocínio na resposta. Concluindo: “Acho que você não entendeu” de Lú é . . .
Rolos” ou, principalmente, “buxas”, todos - sem exceção - têm várias a serem resolvidas. O preguiçoso Rubão do contas a pagar não quer ser transferido para a área de cobrança, pois lá, é só BUXA. Mário Cesar sempre fica até mais tarde, pois sempre tem umas buxas e rolos para resolver.
Mais impressionante é a conotação sádico-anal do corporatês. Freud explicou muito bem. Passei a ler algumas de suas obras para refletir e entender melhor sobre esta disfunção do povinho da empresa. Quatro a cada cinco diálogos corporativos constam sempre que: alguém “bota no do outro”; o Teixeira “tomou uma legal”; A buxa - que está nas mãos do Mário César - vai entrar na do Jeferson; A Cris vai tomar uma “carcada” daquelas do diretor. O estagiário Leandro Leal foi contratado recentemente e o Teixeira vai “socar” a planilha do praxedes nele. E, para finalizar, o vice-presidente está voltando hoje dos EUA... a galera ta piscando pois sabem que vão tomar uma “comida” geral.

É ou não de doer ?!

Um comentário:

Ed disse...

kkkkkkkkk
to chorando de rir