quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Finanças do corporativo I: Artur e Tia Franca

Bem sabemos que os corporativos - principalmente aqueles das mais diversas áreas de finance* da empresa – são diretamente focados e alienados pelas finanças corporativas. Sendo assim, normalmente, deixam de tratar suas próprias finanças, delegando tal missão a financiadores oportunistas, bancos e etc.
Ao longo dos anos de caminhada escravocrata corporativa, a reclamação dos colegas corporativos que mais chegou aos meus ouvidos foi seus baixos salários, segundo os quais, estaria aquém do que de fato merece pelo que faz. Francamente, sempre tratei as lamúrias com muita suspeita!
Estes dias, fui jantar com um ex-colega de mundo corporativo. Minha expectativa era de um agradável encontro, durante o qual falaríamos sobre futebol, cortes de carne de churrasco, mulheres, viagens e vida cotidiana; um clima cordial, próprio de uma véspera natalina. Mas para minha decepção, fui tratado, literalmente, como o muro das lamentações. Queixou-se aproximadamente uma hora sobre o seu provento mensal. Segundo ele, mal consegue arcar com suas despesas mensais, as quais ele diz ser “coisa pouca”. Sente-se um pobre coitado ganhando a “mixaria” de pouco mais de 10 salários mínimos. Conforme suas palavras, uma “lamentável injustiça”, dado que outros gestores de escalão maiores ganham aproximadamente 5 ou 6 vezes mais.
O caminho de volta aos meus domínios após o triste jantar foi uma mescla de depressão com reflexão. O retorno da zona sul sentido zona norte (onde resido) tinha como rota o centro da cidade; E quando por lá passei, veio-me instantaneamente a mente a tia Franca. Se no lado sul do trajeto, meu pensamento estava voltado para as lamentações de Artur, o lado norte foi reservado para o bom humor desta minha tia por parte de mãe.
Associação de fatos aqui, outros fatos ali e “voila”! Já chegando aos lados de Santana, tive um estalo. As cervejas do depressivo jantar me propiciaram uma genial conclusão: a tia Franca tem muito a ensinar sobre finanças ao Artur! Por muitas vezes em minha vida, fui acometido por conclusões e pensamentos alucinados, caóticos e surreais. Tinha por costume repudiá-los de forma veemente. . .até quando passei a perceber que sempre após três ou quatro anos eles passam a fazer total sentido. Atualmente, trato meus devaneios com todo carinho do mundo!
Pelas minhas contas, em 2014 (dado que esta conclusão foi obtida semana passada), corporativos como Artur passarão a perceber o quanto eles são inocentes e inexperientes a respeito do dinheiro. Desculpem corporativos, desculpem, por favor. . .eu sei que vocês gerenciam projetos que valem milhões de dólares! Me perdoem . . .não me queimem no mercado! Sei também de vossas habilidades no portfólio management da Latin America Alpha. Aos poderosos corporativos trader, clamo por perdão, afinal, vocês trEIdam muitos milhares de dólares por dia. Ok, não precisam me perdoar! Corporativos não conhecem absolutamente nada de seu próprio dinheiro!
O que verdadeiramente me estimulou a escrever o presente é a saúde financeira da minha tia. Atualmente, ela é aposentada e mora sozinha em um apartamento situado na Avenida São João. Concluiu o ensino médio e trabalhou por aproximadamente duas décadas no Metrô de São Paulo, passando por diversos cargos e funções.
Artur, 27, é solteiro e mora com os pais em pinheiros. Graduado pela faculdade de contabilidade da Universidade de São Paulo e aos 22 foi enviado à França pela Alpha, para que fizesse cursos de especialização. Em seu cartão de visita, inglês, espanhol e francês bem falados, além de um MBA. Está, atualmente, se pós-graduando.
Mas pasmem! A tia Franca é proprietária de dois imóveis adquiridos a vista, enquanto Artur paga com a ajuda dos pais a prestação de seu Sandeiro e de seu apartamento de 3 dormitórios ainda na planta.
Artur está desesperado, afinal, quem financia apartamentos em planta sabe que dezembro é mês daquela “parcela cacetada” que cai como presente de Demóstenes em nossas mãos a cada 12 meses. Já tia Franca tirou uns dias e foi ao centro da cidade para comprar presentes natalinas a sobrinhos e filhos de sobrinhos.
E por falar em lembranças, Artur disse-me ter presenteado a noiva com um belo colar H Stern em novembro. ..mesmo tendo, em seu passivo pessoal, parcelas mensais que já totalizavam 30% de seus proventos. Segundo ele mesmo, 10 alfinetadas de R$ 200,00 a mais são irrisórias perto da felicidade e surpresa da noiva!
Tia Franca não financia, não empresta e apenas teve outra conta bancária que não a conta salário depois dos 35 anos. O cheque serve apenas para praticidade de pagamento e não para suavização financeira momentânea. Parece incrível a habilidade da tia Fran em dar presentes! Todos que dela ganhei foram sempre os mais baratos e aqueles os quais mais gostei!
Uma mestra na arte de transformar coisas simples e banais em lembranças de elevadíssimo valor sentimental! Sua sensibilidade e experiência de vida em conhecer quem vai presentear a fazem evitar o desperdício de R$ 2000,00 em algo cujo o valor monetário é o REAL motivo da surpresa e encantamento. E este meu devaneio está corretíssimo! Afinal, o que um corporativo bitolado com jornada de 14 horas diárias tem a acrescentar em termos de sentimento, candura e doçura à sua noiva? Claro que nada! Portanto, paga e paga caro! Somemos então! Neste simples episódio, tia Franca guardou vantagem de R$ 1.900,00 sobre o controlling coordinator pós-graduadando e graduado pela USP. Aposto que seu presente não custaria mais de R$ 100 e arrancaria sinceros suspiros!
Artur divaga bastante sobre bebidas requintadas. Diz ter herdado a mania de seu ex-chefinho francês de cultuar vinhos. Um hábito saudável, se a sua coleção de vinho não estivesse já avaliada, segundo ele mesmo, em R$ 7.500,00! Tia Franca gosta de vinhos gaúchos e paga não mais que R$ 8,00 a garrafa no supermercado Compre bem, o qual é servido às suas visitas sempre acompanhado de queijo minas e uma cômica e bem-humorada conversa sobre besteiras e fatos cotidianos ao redor dos sofás almofadas.
E por falar em almofada, Artur deve-me, desde que retornou da França, um convite para visitar sua adega. Não importa! Prefiro muito mais o vinho gaúcho com besteiras da tia Franca. E Artur perdeu novamente: neste caso, pelo menos uns R$ 4.000,00!
Sacrifícios médios mensais de Artur para preservação de sua imagem provavelmente giram em torno de R$ 500,00. Roupas e enfeites da moda. ..tudo que valorize sua presença. Tia Franca não gasta nada além de sua carisma, cordialidade e hospitalidade, evitando assim R$ 6.000,00 anuais com construção de uma imagem dissimulada, mascarada e baseada em ostentação.
Não pretendo aqui apedrejar os hábitos e gostos de Artur, mas tudo leva-me a crer que ele arca com árduas despesas baseadas apenas em desejos artificiais de demasiada vaidade, diferentemente da tia Franca, a qual sua imagem é construída pelas próprias virtudes e trejeitos. Enquanto Artur assume dívidas de ativos de alguém que precisa portar a imagem de corporativo com nível internacional, a tia Fran arca apenas com as dívidas inerentes a ela mesma.
Desde os 18 anos, quando foi aprovado no vestibular, Artur dirigiu carros novos. O primeiro ganhou do pai. O segundo carro foi adquirido 0 km. Naquele momento não tinha como pagar a vista. Então, o pai o ajudou na entrada e as demais parcelas ele arcou por conta própria. Alias, não arcou, porque depois da 10ª prestação decidiu que era hora de trocar o Corsa pelo Sandeiro, afinal soaria mal ser visto pelos managers da Alpha desfilando com o carrinho popular. Corsa de entrada e parcelas de mil e pouco na cabeça, mais seguro, mais combustível, mais IPVA, mais manutenção, mais, mais e mais . ..
Já Tia Franca nunca sentiu real necessidade de dirigir. Moradora do centro da cidade a dois quarteirões da estação de metrô, sempre considerou automóvel um tanto quanto desnecessário. Quando o lugar é inatingível via metrô, sua agradável companhia faz com que sempre lhe seja oferecida carona. Não tem carro e o fato em si não lhe incomoda. Uma vantagem sobre Artur de aproximadamente R$ 1.400 mensais. Ou seja, R$ 17.000 anuais.
Sei o quão covarde é, porém não poderia poupar-me de comparar os hábitos de lazer de ambos. Pelo menos duas vezes por mês, Artur vai a alguma das mais badaladas casas noturnas paulistanas. Generosamente, coloco em seu orçamento mensal, pelo menos, R$ 250 cada. Para o final de semana, o trio “namoradinha paulistana” ao lado de sua parceira dita as regras: cinema, restaurante & motel. Tudo por conta do jovem cavalheiro, claro! Aritmética, simples: 50+130+120=300,00! R$ 1.200 mensais é o quanto Artur despende para vestir o sapato da Cinderela.
Dois jantares por mês com eventuais colegas de mundo corporativo, como eu (nossa conta na semana passada totalizou R$ 130,00); dois happy-hours mensais. Oitenta com cento e trinta são R$ 210,00 mensais. Um glamoroso lazer: 1940,00 mensais!
Tia Franca não tem hábitos noturnos, exceto a internet e o chá da noite. Corriqueiramente, anda pelo centro e freqüenta sua religião. Quando muito, visita algm parente ou vai a algum parque, tal como o Horto e tem como principal diversão, uma ida mensal a algum restaurante. Seu preferido, um de comida chinesa, próximo à estação Vila Mariana. São em média R$ 100,00 mensais de lazer e, portanto, vantagem de R$ 1840,00 sobre o especialista em controladoria da Alpha.
Podemos compreender então quando Artur diz não sobrar nada de seu salário. Afinal, suas despesas pessoais giram em torno de 3.400. Amortização de passivos somados a despesas financeiras (juros) proveniente das infindáveis parcelas que contrai a revelia totalizam quase 2.000,00.
Aposentada pelo metro, tia Franca é responsável por suas despesas domésticas, diferentemente de Artur. Mesmo assim, diz conseguir poupar alguma coisa todo mês.
Artur não esconde sua insatisfação para com a Alpha. Considera injusta sua “baixa remuneração” de R$ 5.500,00 mensais líquidos. Suas maiores queixas, as financeiras, claro! Responsabiliza totalmente a Alpha por não conseguir quitar sem a ajuda dos pais as parcelas do apartamento.
Em geral, Tia Franca queixa-se também. Porém nunca a respeito de dinheiro! Seus problemas são relacioandos às dores oriundas da tendinite proporcionada por anos de trabalho nas bilheterias do metrô. Fora isso, um ótimo astral e um humor nato. Risadas marcam meu encontro com minha tia. Lamentações são as pautas de meus jantares com Artur!
Artur não conhece nada sobre a vida a não ser de seus semelhantes, por isso não faz a mínima idéia que pelo menos 50 ou 60% das famílias brasileiras consideradas classe C sobrevivem com a metade do que o pobrezinho ganha . O que o futuro mestre em controladoria deve aprender com os cabelos brancos (sempre tingidos) da ex-metroviária, vulgo tia Franca, é que a riqueza se mede pelo patrimônio e não pelos ativos; necessita aprender também que a construção eficiente da própria imagem independe do quanto gasta e com quem gasta, mas como gasta e se gasta, de fato, com aquilo intrínseco a si mesmo.


*Nenhum corporativo que se preze admite ser chamado de “financeiro”! Soa incrivelmente provinciano e humilde! Por mais que a função de estele.cristina@alpha.com.br seja executar ordens de pagamento, ela não é do contas a pagar, mas sim do Accounts payable Management (A/P department)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Rose do fiscal

São 7h43 e Rosangela Carolina Leite Tavares, vulgo Rose, passa pelas catracas do ABTC (Alpha Business Trade Center). Como de praxe, “bate o cartão” todos os dias pontualmente às 7h48 (conforme obriga seu contrato de trabalho, data de 1984). Natural e residente de Guaianases, acessa a empresa via ônibus, metrô e trem, despendendo, diariamente, 3h00 de translado.
Adepta convicta do ditado “Deus ajuda quem cedo madruga”, vem acordando cada vez mais cedo, devido a problemas com longos congestionamentos. Foi-se o tempo em que acordava às 6h18 rumo a Alpha. Hoje, seu galo digital canta não depois das 5h48. Fuma um cigarro, prepara o café, toma banho e lá está Rose com seu saquinho de pão de queijo “10 por 1 real” adquirido no terminal de ônibus de Guaianases.
Rose, 44, é casada, mãe de dois filhos e avó de dois netos, o Joanderson e a Sharliane. Mora apenas com o marido, o corretor de seguros Adailton Tavares, 54. Os filhos se casaram novos.
O perfil Rose do fiscal é o mais comum dos ambientes corporativos, porém o menos percebido, devido sua falta de pompa. Pelo menos 60% dos colaboradores de uma multinacional são como ela. Rose entrou na Braspolas ltda. com apenas 18 anos, com o cargo de aprendiz de assistente.
Durante a carreira, passou pelos mais diversos temores em sua única área de atuação, a fiscal. Para uma legítima CLT, não há nada mais temível do que uma demissão induzida (e nada mais doce que uma acordada). Rose C. Leite Tavares do fiscal agradece todos os dias a Deus e a Dorival, seu chefe, por nunca ter vivenciado semelhante experiência.
Seu objetivo de vida sempre foi a manutenção do emprego a qualquer custo até o merecido descanso da aposentadoria, após 40 anos de “suor honesto”. Suor honesto até a aposentadoria, seu lema! Houve períodos difíceis, é verdade! A abertura de mercado em meados de 1990 foi a primeira turbulência de sua carreira. A Braspolas passou por uma grande crise devido às concorrentes multinacionais ávidas pelo mercado de 140 milhões de Roses em ação. Corte de 60% do departamento do fiscal e 40% da contabilidade.
Rose salvou-se graças a influência de Dorival, seu chefe, padrinho de casamento e amigo de infância de um dos sócios da Braspolas. Adailton enciúma-se descaradamente de Dorival, mas admite que apenas não passou fome graças à bondade do chefe de sua esposa, o qual, no passado, dava caronas a ela todos os dias.
Passado a crise e a infância dos filhos, decidiu então se especializar. Fez um curso de técnico fiscal na IOB. Dorival promoveu-a a analista fiscal. Para Rose, os caminhos profissionais estavam abertos. Analista fiscal da Braspolas, curso da IOB no currículum vitae e salário 40% maior, o que garantia o sustento da família, já que Adailton estava desempregado naquela época.
Estabilidade da moeda, do emprego e da família, Rose não tinha a ínfima noção do que estaria por vir. A crise econômica dos tigres asiáticos em 1997 foi implacável! A Braspolas praticamente quebrou! E novamente o temor, a angústia e a depressão! Corte de funcionários e o corte do emprego de Rose dependia apenas da formalização. Para Rose C. L. Tavares - mais do que o desespero do desemprego por ser arrimo de família – sentia-se amputada.
Rose fez promessa a Nossa senhora Aparecida e a Santa atendeu. A graça veio novamente pelas mãos de Dorival, que quase caiu junto com a estimada amiga e colega de trabalho! Sua influência junto ao sócio fez com que fosse apresentado a Aranha, novo gerente fiscal da Alpha, empresa a qual adquiriu a Braspolas um ano após sua chegada ao Brasil.
Dorival conversou aqui, articulou ali e manteve Rose. Alias, daquele departamento fiscal da antiga Braspolas, restaram apenas os dois. Conforme prometido, Rose subiu de joelhos as escadarias da Igreja. E não poderia ser diferente. A ajuda da Santa foi providencial! Rose faz questão de desfilar com seu crachá da renomada multinacional norte-americana por onde passa.
Com a modernização e a tecnologia dos últimos anos, as atividades de Rose se limitam a “inputar” milhares de notas fiscais no SAP. Uma trilha de sucesso nos moldes da CLT: analista fiscal senior, técnica pela IOB e profissional de uma multinacional. As infindáveis horas de SAP trocadas por horas de salário CLT compensam. O grande plano de vida do “suor honesto até o merecido descanso da aposentadoria” caminha a passos largos para sua concretização.
Segue a risca sua bíblia sagrada, a Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo no trato com os colegas: nunca pode ajudar quando a solicitação passa 1 mm daquilo que contratou com a empresa como função e atividade! Uma mestra em repassar tarefas: “infelizmente não vou poder te ajudar, isso é com Genival do almoxarifado” . .. “isso é com a Paula do DP” . . “fala com a Rosane da contabilidade”. E quando o assunto é com ela, o velho truque da famigerada desculpa: “essa semana não vai dar, estamos em fechamento!”
Entre uma nota e outra cadastrada, sai, pontualmente, a cada hora (8h18, 9h18, 10h18 e etc) para fumar seu tradicional cigarro, o qual a acompanha desde a adolescência. Embora a empresa disponibilize uma área de café expresso, Rose segue a risca sua mania de longa data: porta sua garrafa térmica rosa com uma fita crepe escrita “Rose do fiscal”.
Como todo corporativo, Rosangela.leite@alpha.com pratica suas fofocas, porém em um nível mais baixo daqueles das áreas estratégicas. As conversas versam sempre sobre quem vai cair, quem vai subir e quem é gay. Rose assiste assiduamente a todas as novelas das 8. É a responsável do departamento por encomendar bolo, salgadinhos e docinhos dos aniversariantes de renome das favelas corporativas, tais como Dorival, Aranha, Daltão e Teixeira. Sempre que o faz, encomenda da Dna. Dolores lá da vila.
Sua filha engravidou de seu neto primogênito e o genro era motoboy. Após o nascimento de Joanderson, Rose “mexeu os pauzinhos”: sua filha fazia trufas e ovos da páscoa e ela subia até o 9º, 10º e 11º para vendê-los aos colegas e conhecidos do planejamento estratégico e do market inteligence. Segundo ela denomina, “o pessoal que ganha muito”. Para eles, Rose é o museu da Alpha!
Rose é o orgulho do pessoal da vila, afinal tem um “trampo de responsa na multinacional”. Para a família, um exemplo a ser seguido; para o marido, uma “guerreira”! Para a filha, ela “salva pátria” pois vende seu chocolate para a “playboizada”. Jamais separa-se do crachá, o qual é tratado por ela como a própria identidade.
Conseguiu financiar um carro zero e converteu-se ao evangelismo. A escultura da santinha que a salvou nas mais terríveis horas perdeu espaço em sua mesa lotada de post-it para porta-retratos com recordações dos netos. As paredes da baia que até então servia de quadro para fotos familiares, hoje são repletas de salmos e mensagens do tipo “Deus é fiel!”
E, corriqueiramente no final da tarde, Rosangela C. L. T. encerra mais uma jornada de trabalho. Sua máquina começa a ser desligada às 17h10, pois para ela, isto é uma questão moral: o relógio de ponto deve ser batido às 17h18 e a catraca ultrapassada às 17h20! Se passa antes, sente-se exploradora, quando depois, explorada! E quando noite, Rose já está no aconchego de sua casa sua vida em Guaianases, onde, depois do banho, inicia os preparativos para o próximo dia até que a aposentadoria a separe da Alpha.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O papai noel e a carocha

Que as empresas são grandes fabricantes de “diz-que-me-diz” é fato consumado! Aliás, se as baias pudessem escrever um livro sobre as abobrinhas, groselhas, injurias, falsas promessas que ouvem, certamente produziriam textos muito mais divertidos em comparação com os do Causos Corporativos. Mais hilariante ainda, se pudessem debater entre si o que escutam diariamente dos corporativos. Porém, as baias não serão os personagens deste post, mas sim de algum próximo. Neste aqui, as groselhas serão classificadas de acordo com os seus prováveis autores, dentre eles: o papai Noel ou a carocha.
Formalmente, o jargão “conversa da carochinha” é definido como gênero de prosa e ficção, narrativa folclórica e história mentirosa. E nada mais mentiroso e folclórico do que a eterna promessa de Fernando do planejamento estratégico de que “vai largar tudo e abrir um quiosque na praia com a esposa”. Só vou acreditar quando eu estiver in loco. E como gostaria de vivenciar este momento! Presenciar a cena do corporativo padrão gerenciando seu quiosque na praia me proporcionará maior diversão do que qualquer banda de pagode ou meninas de biquíni que eventualmente figurariam por lá.
“Benzinho, você já formalizou por e-mail com cópia para mim o PO (purchase order) de 10 engradados?” “o pessoal da peixaria do Genival já se posicionou? Já formalizaram a cotação?”
“Já falou com o Tonico do cavaco? Quero e-mail com cópia para o chefe de banda . .ah, me copia em cco. Confirma o evento 21h sem delay!”
Banda no quiosque, cinco “gatos pingados”. “Amor, precisamos elevar o faturamento em 30% para bater o break-even”. Foco na porção de camarão e desestimular o temaki de lula (apenas um corporativo - e seu egocentrismo com traços psicóticos - teria a “brilhante” idéia de oferecer temaki em seu quiosque).
As conversas da carochinha são marcadas pelo seu tom fantasioso e geralmente são narrados pelos corporativos, sem muitas pretensões. Poderíamos perfeitamente denominá-las como “lendas corporativas”. Tão lendário quanto o Praxedes, o qual é sempre usado como exemplo para tudo por Teixeira nas conversas corporativas. Os lendários e épicos são aqueles profissionais que não existem.
Segundo Teixeira, o Praxedes tem duas graduações nos EUA, 5 MBA´s, pós-graduação em Westfhalenheim, Alemanha (a cidade deve ser fictícia também). Foi gestor por dez anos no Bank Merdon, diretor financeiro da “Joãoson e Joãoson” por cinco anos reportando-se diretamente para o CFO das Américas. Isso com 35 anos. Com 40, já era CFO mundial da Unieleven.
Quando vejo alguém versando sobre algum “super herói” corporativo, me programo para reduzir a pelo menos ¼. Dependendo do locutor, não acredito em nada! As vezes sinto piedade do Teixeira quando cria em sua mente um CV imaginário, apenas para expressar a trajetória profissional de seu sonho!
Talvez uma grande candidata ao prêmio “a carocha do ano” poderia ser a analista Mari, a qual se auto-promove, regularmente, dizendo que sempre recebe “proposta com salário muito melhor em departamentos mais estratégicos de empresas melhores”. Talvez a minha pergunta seja a mesma do leitor: então, por que não aceita? As vezes passo a crer que ela aplica aquele mesmo charme da adolescente menina-moça, quando conta para as amigas, que o Zezinho, o Luizinho e o Fernandinho estão afim dela. Mas ela não aceita ninguém, pois se considera muito superior. Fazendo a analogia, a Merdon, a joãoson e a Unieleven estão disputando “a tapa” uma tal de analista Mari. Mas ela não sai da Alpha! As propostas estão aquém da profissional que ela diz ser. Afinal, ninguém transporta dados do SAP para o Excel tão bem quanto ela! Ninguém faz tabela dinâmica como ela! Tabela dinâmica por cima, por baixo, de frente e de costa (peço desculpas aos corporativos: tabela dinâmica não, Pivot table). O mercado tem mais é de brigar por uma talent como ela!
Embora fictícias e sonhadoras, as conversas da carochinha não afetam tão diretamente sua vida profissional quanto as promessas de papai-noel. Tentadoras, agressivas e sedutoras, oferecem o maravilhoso mundo o qual você nem sequer chega perto e como conseqüência te frustra.
Dentre elas, a melhor, mais velha e famosa: reajuste salarial após um ano de casa. Dado que os orçamentos proíbem oferecer salário maior do que a mixaria que te foi proposto (da mesma forma você aceita, pois como todo bom corporativo, não suporta mais a atual a empresa), então o selecionador tira esta carta da manga no momento da entrevista.
Em minha humilde, radical, porém não esquizofrênica opinião, o maior defeito dos corporativos começa neste ponto: quando ressentem, subjugam e desmerecem os seus respectivos proventos mensais. A troco de que pessoas se enjaulam 14 horas por dia? Sinceramente, acredito que não há quantias financeiras que satisfaçam tão longa dose de esforço diário.
Se não há prazer e satisfação em relação à atividades, funções e ambiente, não há remuneração bastante. Comentário do tipo, “se eu ganhasse uns 30 mil por mês, tudo bem” perde a validade quando de fato se começa a ganhar 30 mil por mês. A insatisfação tem outra causa, porém a culpa é do salário! Entre as conversas da carochinha do gênero, prefiro acreditar naqueles que colocam, em seus discursos, o jargão “não há dinheiro que pague”!
Culpar o salário é alienar-se e cegar-se para as mazelas e insatisfações corporativas e, além do mais, para um corporativo padrão, quanto maior seu salário, maior e mais sofisticado é o instrumento alienante que pode adquirir, tais como carros de luxo, confortos desnecessários e fúteis, tudo que o faça esquecer a vida escravocrata e sem sentido que leva. Afinal, dado que se trabalha 14 horas/ dia, restam apenas 10 para atividades que não trabalho. Três horas de translado, 1 hora de refeição noturna e seis para dormir. Resumo: o mundo corporativo é a escravidão do século 21.
Menos importante, porém não irrelevante para o presente é a "promessa de estacionamento". E aqui proponho uma dica: caso te deram prazo de um mês para a famigerada vaga, pechinche um plano anual no estacionamento ao lado. Se o prazo para uma vaga é indeterminado, então esqueça! Jamais guardaras a sua coisinha popular em meio aos cayennes, Tucson, A6, A7, A8, A5000 dos amáveis gestores da Alpha.
O papai noel corporativo atua bem também nos campos de viagens corporativas internacionais. Trainees, analistas e pequena gerência (os miúdas) são sempre atraídos pela “projeção internacional”ou pelos “treinamentos no exterior”. E então se sentem obcecados e atraídos por aquele mundo encantado e sem fronteiras, acreditando que de fato serão levados pelo trenó do bom velhinho às terras longínquas e desenvolvidas.
Trenó este que levam também os aspirantes! Mais especificamente, os estagiários! Vestido de terno, o bom velhinho convida o novato à entrevista, na qual sempre entoa o seu famigerado discurso promessa: “após o fim do contrato, há grandes chances de efetivação . . veja a Luciana Hauber (analista de recrutamento, sempre presente - a arroz de festa das entrevistas), ela adentrou na Alpha como estagiária, foi efetivada e hoje faz parte da equipe da gestão de pessoas”
Não há como lutar contra fatos! Basta calcular a relação entre estagiários contratados por multinacionais e os realmente efetivados naquela. E, então, automaticamente direcionam a óbvia, porém ingênua contra-argumentação: “claro, só os talentos são efetivados!" No começo da minha carreira, carregava esta máxima comigo também. E, francamente, gostaria de perpetuar com ela. Porém, novamente, o mundo corporativo violentou mais um de meus prematuros sonhos profissionais: efetivação graças ao esforço!
Quando não efetivado para suprir uma necessidade imediata, o estagiário precisa de duas grandes sortes, tendo ambas atuando simultaneamente: primeiramente, cair nas graças de seu superior direto e assim tornar-se seu afilhado corporativo e a segunda e derradeira: que seu padrinho corporativo seja alguém influente. Há certa “meritocracia” na primeira exigência, muito embora o “cair nas graças” no universo corporativo geralmente não se dá em planos racionais e objetivos, mas sim em esferas políticas, subjetivas e emocionais, do tipo: “o chefinho foi com a sua cara”. Porém o segundo requerimento é pura “sorteocrácia”: jamais terás o luxo de escolher seu superior direto em uma entrevista.
Na mesma classe de anedotas encontra-se “A sua chance de crescimento nesta área é muito grande. ..tudo vai depender de você”. Desenvolvimento profissional?! Não, claro que não! Quando ouço este famoso jargão em uma entrevista, sinto que o meu futuro chefinho já está pensando em jogar a conta da patifaria político-corporativa nas minhas costas! Desde quando a ascensão de alguém depende apenas do próprio esforço, competências e habilidades? Desde quando a chance de crescimento é grande? Desde quando alguém espera pelo seu crescimento? O auge de seu esforço é apenas o ponto de partida: sem este, será muito difícil conquistar pelo menos o mínimo de respeito.
Caso já esteja pensando em sugerir instalação de detector de mentiras no departamento, venho novamente com más notícias: o gerador de lero lero corporativo não para por aí! Aliás, a título de introdução à malandragem corporativa, foram apresentados apenas os mais brandos e simpáticos papai-noel e carocha. Mas que os outros personagens do gênero das anedotas não se sintam injustiçados: em próximas postagens, entrarão em cena, o vigário, o super.man@alpha.com e o joão.sem.braço@alpha.com!

sábado, 27 de novembro de 2010

O conto do vigário - meu divórcio com o mundo corporativo

Tal como feito em outras postagens, refleti muito sobre como intitular aquilo que tentaria descrever. Estive pesquisando a respeito da origem do termo “conto do vigário” e algo me chamou muita atenção. A palavra vigarista originou-se desta expressão e não vice-versa. E não teria melhor palavra para definir a atitude da Alpha para comigo, quando lá participei de um processo de seleção. Não temos, aqui, o intuito de utilizar o blog como o “muro das lamentações”. Opostamente, este tem sido alimentado por conteúdo que propõe profunda reflexão sobre os malefícios proporcionados pelo enganoso ambiente corporativo.
No entanto, foi graças a uma atitude extremamente vigarista do cafajeste mundo corporativo que minha carreira tomou rumos responsáveis por mudanças bruscas em meu destino. Talvez, graças a este expediente, sinto que, atualmente, ganho horas saudáveis de vida divagando e escrevendo sobre o tema, para que de alguma forma ajude a sanar o processo de completa alienação que 95% dos corporativos atravessam. Sendo assim, tomo a liberdade, de relatar um fato pessoal para melhor ilustrar como se dá a vigarice corporativa em suas nuances mais perversas.
Atuava em determinada empresa, mas não me sentia muito confortável por lá. Não me dirigia ao mercado, entretanto, fui contatado para uma proposta na Alpha. Primeiramente, entrevista com Luciana Hauber, a analista de recrutamento; Uma semana depois, fui contatado para “conversa” com Fernando do planejamento de novos negócios, área a qual atuaria; Após 4 dias, nova entrevista, desta vez com Fernando e seu chefinho diretor. Embora desconfortável na empresa onde atuava, estava tranqüilo sobre o provável resultado daquela entrevista. Talvez a única expectativa minha naquele momento era a saída da zona de desconforto. No entanto, aquilo não me fazia muito ansioso.
Passados dez dias, recebo um telefonema de Luciana Hauber parabenizando-me pela aprovação no processo. Embora o salário deste novo seria 120% maior, o que me fez realmente muito feliz, foi o fato de sair de um lugar extremamente desagradável, sem perspectiva e sem estabilidade, para uma área em que me identificava melhor.
Ao longo daquela semana, passaria por aquela cerimônia burocrática de entrega de documentos, pedido de demissão e etc. Porém, meu erro fatal: em um surto de alívio e desabafo, comuniquei, imediatamente após recebimento da notícia, minha saída ao chefinho. Lembro, como se fosse hoje, aquele semblante vermelho e inchado, com traços profundos de obesidade cardíaca certamente proporcionada pela vida corporativa, tentando me agredir ou hostilizar de alguma forma sutil, por causa de meu abandono naquele momento.
Igualmente sutil, tentava responder que diversas vezes havia sido abandonado também como profissional. Bombardeios morais iniciaram-se então: primeiro disse que não iria me demitir. Por mim, sem problemas! Embora corporativo, não era miserável, nem de espírito, nem de grana. Meus princípios e valores familiares a respeito do trabalho sempre me fizeram ignorar a ridícula, assistencialista e antiquada CLT. Abria mão, sem qualquer tentativa de contra-argumentação dos 40% de multa, também conhecido em ambientes decentes, como a esmola; Bem como de meu FGTS. Em seguida, um pouco mais agressivo, disse que havia muitos contatos corporativos e que segundo a visão dele, eu estava sendo muito precipitado e isso poderia me prejudicar.
Com os seguintes dizeres, me atacou: “tenho 25 anos de mercado. .. talvez a sua idade de vida . .As vezes, quando jovens, nos deixamos iludir por aquilo que vemos! Mas exatamente aquilo que não vemos. . .o mundo paralelo e não tão bonito e límpido da juventude . . nos puxa o tapete . . .e após um tombo desses, meu amigo, levantar-se é muito difícil! Você consegue, é claro! Mas nunca na mesma posição em que poderia estar! A decisão é sua e você paga as conseqüências dela! Precisa de tempo para pensar? Bom, já que não precisa, então, nossa conversa está encerrada por aqui. Se você me der licença, preciso entrar em contato com alguns colegas, além de providenciar seu bloqueio de e-mail e diretório. Só peço um simples favor: que você consiga passar tudo que for possível para seus estagiários e assistentes. Você poderia também, por favor, enviar e-mail solicitando ao RH um novo recurso em seu lugar?”
Sei bem o quão triste é, mas isto não me abalou! Ao longo de minha trajetória profissional, nunca soube ou conheci verdadeiramente, como seria trabalhar sem assédio moral. Desde estagiário até minha última colocação no mercado, sempre fui moralmente lesado. Em momentos extremos de minha carreira cheguei a achar tudo aquilo muito normal. Em minha visão, estas atitudes faziam parte do pacote “pressão do mundo corporativo.”
Mas, pasmem! O pior estaria por vir! Cumpri todas solicitações supracitadas daquele malvado que se tornaria, em três dias, meu ex-chefinho, enquanto levava minha documentação à Alpha. Acordei com Luciana Hauber de telefonar quinta-feira pela manhã de modo a agendar meu exame médico.
Pontualmente, quinta-feira as 8h30, liguei para Luciana. Esta me comunicou que naquela semana não seriam realizados mais exames e solicitou meu aguardo até terça-feira pela manhã, quando deveria contatá-la novamente. A princípio fiquei contente com a possibilidade de descansar até segunda-feira.
Eis que quando ligo na terça, a bombástica, derradeira e devastadora notícia: infelizmente, a vaga havia sido preenchida! Eles lamentaram o incidente e se desculparam pelo ocorrido, não permitindo que eu esboçasse qualquer indagação a respeito do que havia ocorrido. Fiquei atônito! Tentava argumentar, dizendo que já havia pedido demissão da antiga, porém em vão! Luciana foi contundente: “ordens formais da diretoria financeira.”
Até hoje sinto-me confuso a respeito disso. Uma vertente minha adepta da teoria da conspiração acenava fortemente para um provável serviço sujo do meu ex-chefinho. Outra mais realista aponta para uma possível indicação formal pela diretoria de outro profissional. Provavelmente, o Paulinho filho do amigo do diretor!
Não havia e-mails e nem provas da vigarice. Mais do que desempregado, me sentia humilhado! Aquilo me ardeu muito e me proporcionou pelo menos um mês de depressão. Não tinha a menor motivação, mesmo de sair da cama. Até o som da TV me perturbava. Após o fato, declarei-me divorciado do mundo corporativo, pois tenho a legítima convicção que aquilo ocorrido comigo é regra e não exceção! Cheguei a conclusão do quão decepcionante e prejudicial é trocar minha honra e milhares de reais investidos pela minha família em minha formação apenas pelo glamour de dizer que faço parte da equipe de talentos de algum antro corporativo.
E de fato estou certo! Sinto que, por estarem alienados, corporativos desprezam sua capacidade de empreender e serem proprietários exclusivos de seus destinos sem necessidade da estabilidade glamourosa das multinacionais e muito menos da assistencialista e degradante CLT. Em um ambiente que predomina a “troca de horas por dinheiro”, quem compra os dias de vida mal vivida de um profissional – no caso as empresas - tem a barganha de ser imoral e cafajeste.
E a barganha é legítima, pois o produto “horas” não possui diferencial nenhum e é facilmente substituído. Entretanto, muitos corporativos “talentosos” ainda não entenderam que embora consigam produzir algo tão diferenciado e valioso chamado resultado ou performance, preferem comercializar (em um mercado já saturado) seu produto menos valioso, as horas formais de trabalho com um comprador perverso e poderoso, o qual as detém em troca de uma mixaria, que é a suposta estabilidade.

domingo, 7 de novembro de 2010

Minhas férias

Vamos reconstruir:
1- O Drama. Antes de agendar sua viagem de férias, o colaborador precisa conversar com seu superior sobre a melhor época pra descansar. E o superior SEMPRE vai fazer um drama maior que filme iraniano. Nunca dá pra tirar 30 dias. Nunca dá pra tirar 30 dias seguidos. E aí o colaborador, com medo de ter seu nome esquecido praquela vaga do analista sênior que vai se aposentar no final do ano, fala que tá atolado de trabalho e por isso não quer tirar mais que uma semana.
2- A contagem regressiva. Tal qual o aluno da 4ª série que faz uma contagem regressiva para o início das suas férias escolares, o colaborador também fica na expectiativa do período de liberdade (mesmo que de apenas uma semana). Mas essa expectativa não pode ser guardada apenas para ele. Ele tem que divulgar a todos que sairá de férias, ou “estará saindo de férias”, talvez uma maneira de fazer os outros sentirem inveja, ou testar sua popularidade. Para isso, nada melhor que o MSN. Adotou-se como convenção, colocar essa contagem regressiva no nickname – Lu - Countdown 12!! Ou Renato – faltam 12... ou até mesmo Carlos – 12 dias para o paraíso!!!. Há aqueles que aproveitam para soltar ao mundo o local de suas férias: - Ju – 12 dias!! Salvador HERE I GO!!!
3- A preparação. Quando o período de suas férias começa a se aproximar, é preciso intensificar os avisos de que você estará de férias. Em todas as ligações o colaborador avisa que na próxima semana estará de férias e por isso pede para que contate seu supervisor, ou colega. Mesmo que ele saiba que a pessoa não vai mais entrar em contato. E não são apenas colegas diretos que devem ser avisados. O gerente do banco é avisado. O motoboy é avisado. A secretária do cliente é avisada. A faxineira é avisada. O gerente de uma outra área vem pedir uma tarefa trivial na segunda-feira e a reposta é: “hmm para quando você quer isso?” - “sei lá, pode ser amanhã”. “Ah bom, por que se fosse pra semana que vem não ia dar por que ESTAREI DE FÉRIAS”. Ou ainda: “Carlos, que dia é hoje mesmo?” – “Cara, você pode ver isso com o Fernandão, to enroladão aqui porque vou SAIR DE FÉRIAS ESSA SEMANA”
4- O out of Office assistant. Todo mundo que tá de férias quer contar pra todos que está de férias pra mostrar que é fodão, trabalhador e merecedor (mesmo tendo arregado pro chefe e pedido apenas uma semana). É aí que entra essa ferramenta espetacular chamada Out of Office Assistant, ou Email de Resposta Automática. Vale uma aprofundada nesse tema posteriormente, mas de maneira geral, posso dizer que sempre se deve colocar uma língua a mais do que a que você utiliza nesse email. Se vc só usa português no dia-a-dia, coloque em português e inglês. Se utiliza português e inglês, coloque em português, inglês e espanhol, terminando com um saudoso “saludos”.
5- A volta das férias. A volta das férias pode ser dividida em duas situações. A primeira é que todo mundo tem que mostrar o quão importante é, e quantos emails vc recebe por semana. Todo mundo inicia seu primeiro dia de férias com “Meu DEUS 472 emails não lidos!!!” e faz piadinhas ao longo do dia tais como “calma aí que só faltam 173 emails pra eu ler”, mesmo sabendo que desses 472, 320 são do e-groups dos seus amigos do carnaval. A segunda situação é mostrar pra onde vc foi. O colaborador tem que mostrar que foi pra longe e subir suas fotos na sua página da rede social no mesmo dia. Não pode perder o timing, senão ninguém vai comentar com o já tradicional “Ai que inveja”.
6- A depressão. Voltar de férias e trabalhar pode ser comparada a situação de um presidiário que deve voltar a cela depois dos seus minutos ao sol. A depressão vem forte. Você não pode mais usar bermuda. Você não pode mais acordar tarde. Você não pode mais beber cerveja no almoço. Tem gente que chora. A ficha cai e aquele paraíso que você achava que era a vida, não existe mais.
7- Voltando ao normal. Quem viaja de férias volta mais alegre, sentindo que a vida é linda, volta com centenas de planos para uma vida melhor. “Nessas minhas férias vi que devemos ter mais qualidade de vida”, “não vou viver apenas trabalhando”, “vou encontrar toda semana o pessoal da minha viagem”. E após uma semana, o colaborador nem lembra mais que tinha esses pensamentos. E volta pra rotina, acordar, pegar trânsito, trabalhar, pegar trânsito, dormir.

Um mestre na arte de ler gráficos

Renato Medeiros foi contratado para ser o novo Diretor do Departamento de Finanças da empresa Alpha. Formação em uma das principais faculdades do país, MBA na França, experiência de mais de 10 anos no mercado e enorme capacidade de liderança foram os atributos anunciados pelos General Manager. Certeza de “agregar muito ano négócio e contribuir para o crescimento da empresa”. Mas a principal habilidade de Renato não foi anunciada: sua incrível habilidade em analisar gráficos. Na primeira reunião, juntou sua equipe para falar sobre os números da Análise de Desempenho do ano anterior. Pulou todo os slides com textos e foi direto pra sua área de maior interesse, os gráficos. Conseguia ver como poucos, os meses com desvio de performance. Apontava com certeza de um rei absolutista os períodos críticos e os números abaixo do ideal. Era mestre em levantar pontos suspeitos e não havia slide com gráfico sem um único comentário seu. Nessa reunião solicitou total atenção ao trabalho nos meses de setembro e outubro. Mais uma reunião, gerente de planejamento apresentando os objetivos para o próximo ano fiscal, lá vai Medeiros apontando os meses com crescimento mais baixo. “Opa, por que não crescemos em março o mesmo que em janeiro?”. E toda a equipe volta para rever os números. Medeiros sabia como ninguém ler os gráficos. Tinha certeza de que havia nascido para isso. A tela do seu notebook não tinha espaço para planilhas de Excel e documentos de Word. Apenas gráficos do Power Point. Em todas as reuniões, ele apontava aqueles detalhes que somente ele sabia. Tinha olhos de falcão e faro de doberman. Não era fã de curvas de crescimento. Um mês não podia ser melhor que outro. Produtos não podiam ter o mesmo share. Foi aí que sua equipe percebeu. Chega de trabalho. 5% de crescimento de janeiro a dezembro. 30% de share para todos os produtos. 20% de lucro. 20% de custo fixo. Lead-time idêntico para todas as entregas. E Medeiros e todos os demais viveram felizes para sempre.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A fantástica vida do diretor Lacerda

Quando conheci o diretor Lacerda, responsável por toda a área do Cone Sul de sua unidade de negócios, ele tinha 42 anos. Formado em engenharia na Poli-USP, Lacerda também tinha MBA por Harvard e era mestre pela London Business School. Na sua longa e meteórica trajetória profissional, acumulava promoções e mais promoções, sucessos e mais sucessos.

Para Lacerda, o trabalho não podia esperar. Chegava ao escritório todo dia às 7h30 da manhã. Enquanto ligava o computador, já tomava um belo copo de 300ml de café. No almoço, sempre mais tarde do que os demais funcionários, quando não pedia um lanche no escritório mesmo, comia um salgado e bebia uma Coca-Cola no café do prédio. Rapidamente. 20, 30 minutos no máximo.

Trabalhava, trabalhava, trabalhava. Muito competitivo e competente, gerava lucro e mais lucro, ano após ano. Conseguiu dobrar o tamanho de sua área em pouco menos de 2 anos.

Se chegava às 7h30, poucos dias ia embora antes das 20h. Bem remunerado, morava numa bela mansão no Km 32 da Raposo Tavares, a pouco mais de 1h do seu trabalho. Apesar de duro, todos gostavam muito dele. De sua competência e sua forma de trabalhar.
Minha primeira impressão era o senso comum. Mas, aos poucos, passei a perceber alguns “detalhes” de sua vida. Minha baia era ao lado de sua sala, o que me fez presenciar alguns momentos delicados e um tanto quanto constrangedores.

Certa vez, o pessoal da matriz americana viria a São Paulo para discutir alguns pontos e conhecer melhor a equipe. Coincidentemente, era a mesma semana da formatura do 3º colegial de sua filha mais velha. Lacerda não foi ao evento. Claro, mandou o motorista da empresa buscar a sua família em casa, pontualmente, e pediu para sua secretária levar flores para sua filha que tanto amava.

Alguns meses depois, vi que ele discutia ao telefone com sua filha mais nova, 15 anos de idade. O motivo: foi pega saindo do seu condomínio de luxo fumando um baseado com mais algumas amigas. Lacerda era diretor. Influente, conhecia gente importante. Sua imagem era a imagem da empresa. Perderia muita credibilidade se sua família estivesse vinculada a drogas, polícia, processos judiciais. O pessoal do jurídico trabalhou rápido e resolveu a questão.

As discussões com sua esposa eram mais comuns. O motivo, apesar de não estar explícito, era sua ausência. Ele nunca estava. Nunca podia viajar, sair, acompanhá-la. Seus 110kg e sua vida desregrada prejudicavam seu humor e disposição. Que mulher agüentaria tanto desprezo? No fundo, ela tinha tudo que queria (bolsas, jóias, sapatos), menos a companhia de Lacerda. Facilmente suprível pelo personal trainer que a companhia pagava para ela.

Numa manhã fria e ensolarada de inverno, chegando ao escritório, Lacerda sentiu um mal súbito. Mão no peito, camisa aberta, helicóptero de seu seguro saúde ultra-prime. Lacerda deixou uma esposa, duas filhas, R$ 5 milhões na conta e uma vida mal vivida.

domingo, 31 de outubro de 2010

PRIMEIRO DIA ("boa sorte neste novo desafio!")

Das inúmeras “poucas e boas” do cotidiano empresarial, se há uma situação pouca, porém muito boa é o primeiro dia de empresa. Se não boa, pelo menos antagônica é. A falta de sintonia de expectativas, motivação e estímulos é exposta, latente e fica muito clara a todos.
Motivação por parte do entrante, dado que teoricamente não se aceita com desmotivação um novo “desafio” (fica prometido um capítulo com o título “desafio”, tamanho a superficialidade corporativa imposta ao termo pelos corporativos da gestão de pessoas). A desmotivação mesmo é sempre exposta na recepção por parte dos novos colegas.
Pode ser que algum anjo caridoso nos leve a pensar conforme almeja as teorias acadêmicas de gestão de empresa, na qual somos um time e o novo colega é um parceiro que veio a contribuir com o grupo (em corporatês business english muito arrogante: join us). Mas após anos de arcabouço corporativo, não sejamos hipócritas ou ingênuos: quando o entrante não é um novo rival, é um novo insignificante!
Alias, o termo insignificante é muito feliz para definir aquele que não é rival em um departamento x de uma multinacional alpha. Embora existam, são sempre muito remotas as possibilidades de sentimento fraterno e cordial. Quando não há repulsa ou indiferença, o gostar em empresa não passa de mera admiração.
E por falar em indiferente, eis que é anunciada a contratação de um futuro adversário, ou melhor colega. Ricardo Rosa - o novo internal control specialist – será o mais novo recém-chegado ao departamento na segunda-feira. Desde o anúncio da vaga até as primeiras movimentações (período o qual você procura o chefinho para perguntá-lo se seria possível indicação de algum contato), os primeiros boatos começam a surgir entre os cortiços corporativos (baias).
Ricardo Rosa é indiferente à Mari, já que ela é da área de endo marketing e há poucas chances de alguma “picuinha” profissional com o novo colega – se bem que o mundo corporativo é mestre em preparar as mais bizarras surpresas. Colegas de anos de encontro em elevadores (daqueles que cumprimenta-se, mas não se sabe quem é) tornam-se, inesperadamente, suas encrencas de rotina corporativa.
Segunda-feira foi o dia da integração; primeiro dia de Ricardo Rosa na Alpha, mas não de convívio com seus futuros colegas. O famoso dia D estava agendado para terça-feira, quando o Sr. Rosa seria formalmente apresentado aos seus colegas de cela e de presídio (de departamento e de empresa). Alias, não há metáfora mais feliz do que presídio, quando se trata de empresas, principalmente as multinacionais.
No entanto, guardemos a analogia para os próximos textos, pois terça-feira chegou e eis que Ricardo Rosa adentra em seu departamento, acompanhado de seu chefinho e padrinho corporativo. São nestes momentos em que o ambiente corporativo se revela um dos mais eficientes laboratório da insanidade mental e das mazelas sociais escancaradas. Vaidade, falsidade, egoísmo e mesquinharias a flor da pele, pois há um entrante (ou jogador ou rival ou inimigo) nos arcabouços já instalados nas baias.
O analista Rosa foi conduzido por Luciana Hauber do RH direto aos braços do seu novo chefinho. A repetida cena do primeiro dia é um tanto quanto bizarra. A menina do RH entregando o debutante aos braços de seu mestre, sempre me faz lembrar aquele momento matrimonial em que o pai da moça a entrega sua filha aos domínios de seu macho e fértil reprodutor.
Embora a pessoa situada mais próxima da entrada do barraco (cela, departamento) é Leandro (o estagiário), ele será o último a ser apresentado. Na nossa analogia presidiária, Leandro é como aquele novato de cela que dorme em pé: sua baia situa-se de frente para a parede e no local de maior trânsito do departamento. Sua relevância é pouca e é improvável que o querido tutor lembrará de apresentá-lo; E, se assim o fizer, é porque contará ainda hoje com o “suporte” do aspirante para auxiliar o entrante no entediante começo, tal como mostrar diretórios, planilhas e outros.
O primeiro a ser apresentado é o casca grossa do barraco: Dr. Fonseca, o diretor. Batendo na porta semi-aberta (corporativos do médio escalão devem parecer acessíveis) , já adentra na sala “Bom dia Dr. Fonseca, este aqui é o Ricardo que trabalhará conosco na área de controles e. . ..”. Dr. Fonseca sequer olhou para a rapaz durante a apresentação, no entanto interrompeu e logo desejou um amargo, venenoso e malvado: “boa sorte, mas boa sorte mesmo . . .você vai precisar de muita boa sorte”. E então o tutor complementa com um malvado bem humorado comentário para prestar simpatia ao diretor: “ . . . isto porque ainda não apresentei o menino para o pessoal de compliance...” e então soltam aquela demoníaca gargalhada, que lembra a bem humorada conversa entre Lúcifer e Demóstenes Junior no oitavo círculo do inferno.
Embora não conheça o contexto em que o comentário foi utilizado, o analista Rosa está, no mínimo, perplexo a respeito do que significará o departamento de compliance da Alpha em sua vida profisonal.
Se a lógica da apresentação é mediante o nível hierárquico, então o próximo a ser introduzido é o Teixeira. O gerente Teixeira se lamenta muito por ser gerente e não ter sala, porém se orgulha pelo fato de sua baia ser afastada dos demais presidiários, o que lhe confere maior status. Ao ver o novato se aproximando com seu tutor, Teixeira promoveu um verdadeiro teatro corporativo, fingindo aquele “tic nervoso” padrão do estar falando no telefone enquanto trabalha e ao mesmo tempo se movimentando de um lado para o outro, parecendo atarefado.
O Teixeira é aquele modelo de falso colega que profere o seu segundo falso discurso-conselho amigo (o primeiro é sempre proferido pelo seu chefinho) logo quando adentra na empresa.
Tutor: “Fala aí Teixeira, como está? Seu time não tem jeito mesmo, perdeu dinovo!”
Teixeira: “mas o seu time vai perder amanhã. . .”
Tutor: “Teixeira, este é o Ricardo e vai trabalhar com a gente nesta parte de controles internos dando suporte direto ao “big boss” (vulgo Dr. Fonseca, o diretor da primeira apresentação – não menos invejoso é o chefinho tutor)”
Teixeira: “Ricardo, estou a 4 anos na Alpha e tenho 15 na área, posso dizer que aqui será um ótimo campo para você se desenvolver. O pessoal de controles é acessível e com certeza vão te ajudar a se adaptar rapidamente. . . e bla bla bla . .e te desejo boa sorte neste novo desafio.”
Em um surto de ingenuidade poderia crer que estes discursos padrões repletos de chavões seriam conselhos amigos, mas prefiro ser realista e continuar chamando isto de "autopromoção". O “sábio e experiente” Teixeira sempre encontra uma forma de se afirmar. Muito patética é a sua micro-estante situada atrás de sua “baia mini-sala” contendo livros de micro-econômia aplicada, gestão de riscos, conceitos de política internacional, sendo que sua função principal é reportar e explicar planilhas consolidadas ao Dr. Fonseca.
Infeliz sofredor aquele que leva a empresa em que trabalha a sério. Como poderia ser levado a sério um sujeito como o Teixeira? E acreditem, o mundo corporativo é uma poderosa máquina capaz de produzir pelo menos 10 teixeiras por segundo. Podemos, quem sabe, desafiar Rousseau se o homem de fato nasce bom, mas a conclusão do filósofo é precisa, assertiva e indubitável: as empresas o corrompem!
Os próximos a serem apresentados são as ralés . . .aquele bando de analistas, assistentes e estagiários arranjados em baias num espaço de 30 m² milimetricamente designado pelo orçamento. Mas como estão trajando sofisticadas vestimentas e não calças beges, sentem-se proprietários supremos do poder e da glória.
Inveja, comentários jocosos, maldizer . . .tudo maquiado com o eterno, famoso e falso “boa sorte” aliado a um não menos dissimulado sorriso. Dissimulado mesmo foi Fernando em seus dizeres, se colocando polidamente a disposição do analista Rosa no que ele precisar. Disse a Ricardo: “qualquer coisa é só chamar”. Porém teve a maldosa coragem de chamar os seis coleguinhas da patota do departamento para o almoço e ignorá-lo descaradamente, sem a menor sensibilidade e senso de coleguismo.
A encenação da secretária Ana é do tipo “falso-emotiva”. Ela não saúda com aperto de mão, mas sim com beijo. Se mostra solicita e atenciosa; pergunta se o pessoal do RH já providenciou VR e vaga no estacionamento; Não espera a resposta: logo apanha o telefone para tirar satisfação junto a Luciana.hauber. Mostra de onde estão, todos os aposentos do departamento.
Os “pseudo-solícitos” são muito engraçados: oferecem ajuda enquanto ningém precisa. Quando de fato alguém carece, ora auxiliam com muito mal-humor ora informa que infelizmente, nada pode ser feito.
Finalmente e de acordo com o previsto, Leandro não foi apresentado, no entanto foi orientado pelo querido chefinho do analista Rosa a contatar o pessoal de T.I, para que sejam providenciados e-mail e acesso à rede. A tia Ana tratou logo de trazer o novo crachá, cartão VR. . .ah o estacionamento. ..nisso, ela diz não poder ajudar (simples mortais raramente dispõem de vaga)!
Rosa foi almoçar com Leandro e passou o resto do dia isolado, lendo e analisando aquelas aostilas contendo métodos e procedimentos, após inúmeros “boa sorte neste novo desafio”. Quando um novo colega deseja isto no primeiro dia, sempre desconfie se precisará de sorte para desempenhar as atividades ou para lidar com os transtornos que ele mesmo lhe causará.

domingo, 17 de janeiro de 2010

MINHA DINÂMICA NO BANK MERDON


(Cabe ressaltar que o nome da empresa é totalmente fictício, de forma a evitar qualquer utilização de direitos de imagem da verdadeira instituição)

Anestesiado após minha aprovação no vestibular, parecia, naquele momento estar respirando ares de dono do mundo. Simplesmente aprovado em um dos melhores centros de estudo de negócio da América Latina, compartilhava com meus novos colegas, o sentimento de que estaríamos próximos de um futuro deveras promissor.
No primeiro momento não tinha a exata noção do que seria um futuro promissor dentro de uma faculdade de administração, mas tinha certeza que o meu seria. E então, em um daqueles dias ociosos de começo de faculdade, estava circulando pelos cantos de lá, quando avistei um cartaz grande, verde e bonito, com a foto de alguns jovens elegantes, bem vestidos (de forma corporativa), sentados trocando idéias ( em bom “corporatês”: eles estavam em um brainstorm) sorridentes em frente de um computador; Acima havia uma mensagem bem grande: “venha fazer parte da equipe de jovens talentos do Bank Merdon”.
Parei e fiquei observando por algumas dezenas de segundos. Parecia, naquele momento, estar diante do que verdadeiramente poderia ser um futuro promissor. Uma confusão de imagens e mensagens: jovens talentos + bank merdon + trocar idéias + ternos e gravatas + fazer parte da equipe. Deixei escapar um espontâneo sorriso, do tipo “já sei onde é o meu lugar”. Coloquei-me naquela posição; terno e gravata, decidindo o futuro do Bank Merdon junto com meus colegas de Merdon (todos talentos – só os melhores do futuro reunidos, os gênios unidos), sorridentes (o sorriso seguro da certeza do poder), na frente da tecnologia (um laptop – naquela época, este benefício era destinado apenas a presidentes) e certo de estar realizando o futuro promissor.
As vezes me flagro relembrando a idéia que tinha do mundo corporativo e ora dou risadas ora sinto uma vergonha imensa. Uma ingenuidade a beira do absurdo: em minha mente, uma vez que havia sido contratado a título de talento com potencial, adentraria como estagiário, não para exercer atividades profissionais, mas sim para entender e aprender processos de forma a associar com os ensinamentos de uma faculdade de ponta tão requerida por uma instituição como o Merdon.
Imaginava que, por vezes, diretores e vice-presidentes fariam o papel de verdadeiros tutores, chamando-me em suas salas para ensinar um pouco com suas experiências, de modo a me encantar com seus conhecimentos e sabedoria sobre o mercado e o mundo dos negócios. E então, depois de algum tempo naquela instituição, o meu futuro gestor me chamaria para comunicar que, como eu já havia passado por todas minhas etapas de preparação, eu estaria apto para exercer atividades profissionais no Bank Merdon. Naquela época não tinha a ínfima noção do que seria “orçamento para efetivação de estagiários”, “demissão de analistas plenos e efetivação de estagiários como analista Junior para realizarem mesma função, devido a corte no orçamento” ou “estagiários subordinados à analistas plenos, para dar suporte (e suportá-los) nos trabalhos maçantes.”
Chegou o segundo ano da faculdade e não perdi tempo. Assim que avistei o cartaz do programa de seleção de jovens talentos do Bank Merdon, logo me inscrevi no site. Aguardava ansiosamente pela resposta e naquela época alguns de meus colegas já conseguia o primeiro estágio. Lembro que um deles havia sido aprovado no processo de seleção de estagiários do Bank Merdon. “Caramba, o Leandro Leal “tá” na Merdon!!!” Evocávamos eu e meus colegas.
Em paralelo, já aprendia alguns conceitos de gestão de pessoas, tais como perfil. Olhava para o tal de Leandro Leal e pensava: o perfil do Leandro é o do Merdon, e portanto deve ser o meu, caso queira o futuro promissor. Se eu não ser aquilo que o Merdon procura, exatamente o que o Leandro é, meu futuro não será promissor. E então, passei a analisá-lo, buscando nele, características pessoais, que possivelmente seria de agrado dos gestores da Merdon. E, francamente, eu não encontrava algo específico.
Pouco depois, outro colega havia sido aprovado no processo do Shitbank. Estávamos naquelas rodas de conversa de alunos antes da aula e, enquanto trajava camiseta e bermuda, vindo do clube, meus colegas de Shit e de Merdon, já vestiam ternos e portavam suas pastinhas. Enquanto eu falava sobre futebol, mulheres, academia e cerveja, os dois debatiam sobre as vantagens de ser do “front” e as desvantagens de ser do “back.”
Lembro que as vezes me sentia um garotinho perto destes verdadeiros executivos de 18 anos. Não fazia a menor idéia do que seria isto. Mas o dia do meu futuro promissor estaria perto. Eis que recebo um telefonema do Merdon, me comunicando que havia sido selecionado na fase de triagem de CV e agendando a etapa da dinâmica de grupo! Veio-me, então, aquela sensação de vitória do começo do texto; Ares de dono do mundo me encontravam novamente. Se eu seria front, back ou raio que o parta, dane-se, eu seria do Merdon: bem vindo ao convívio dos eleitos, portas abertas, Green card, chamem do que quiserem. Tal como quando passei no vestibular, fomos eu e minha família jantar em um restaurante para comemorar. Hoje, sinto muita vergonha disso!
Mas, enfim, é chegado então o esperado dia da dinâmica de grupo do Merdon. Um verdadeiro Big Brother Corporativo, no qual o prêmio é o início do futuro promissor. Lembro de todos os detalhes daquele dia. Minha primeira dinâmica, primeira vez de terno indo para o mundo corporativo – um homenzinho, o executivozinho do Merdon! Mesmo que fosse do shit. O Significado é o mesmo, um passo para o poder, para a ostentação e o glamour.
Não me incomodei nem um pouco com o trânsito – aliás, achava divertido dividir espaço junto com corporativos nos longos congestionamentos. Da mesma forma, não me foi incomodo pagar R$ 20,00 o estacionamento sem qualquer reembolso dos pobres coitados da Merdon. Tudo era alegria! Mal podia esconder minha felicidade ao entrar naquele conjunto imponente de edifícios.
“Se segurem, o Jack Welsh chegou”, pensava comigo ao me deparar com os demais candidatos sentados nos sofás do saguão a espera do chamado para a dinâmica. Embora já tenha se passado quase sete anos daquele dia, consigo lembrar mesmo dos detalhes mais irrelevantes. A conversa do saguão foi um show de bizarrice: os melhores CV´s de aspirantes de São Paulo querendo contar suas vantagens, uns aos outros.
Entre nós, aqueles já com experiência profissional detinham mais moral. Afinal, “só” faltava isto para a maioria dos “geniozinhos” lá presentes. Ah, lembrei . . . havia a turminha que cursou o colegial nos EUA (estes eram os “senhorezinhos” do conselho – batam continência). Quando me lembro da empáfia daquela garotada, fico pensando como devem ter sidos os primeiros meses deles como estagiários.
Uma glamorosa humilhação! Papai gastou fortunas para formá-lo e, por ironia do destino, o tal do futuro promissor está agora nas mãos do Sr. Adolf Teixeira, o supervisor. Uma formação sofrível, uma linguagem terrível, requintes de crueldade, péssimo caráter somados a um egoísmo e egocentrismo ímpar.
Hoje chego à conclusão que verdadeiramente este é o tal do “futuro promissor.” Foi minha dificuldade no passado e sinto que os atuais aspirantes a corporativos confundem muito sobre o conceito de futuro promissor. Na maioria dos casos, quem o define é a própria faculdade, a família e a sociedade – e acredite, este é o começo do apocalipse: terceiros escolhendo seu destino; Quando adentra à empresa, outros terceiros escolhem a continuação de seu destino, traçam sua carreira e te induzem a pensar igual a eles sobre o que é bom para você. De fato, passa a crer que aquilo realmente é bom e, em conseqüência, o que diverge é o caminho do mal.
Mas como sempre adverte a analista Mari: “não vamos perder o foco”. Luciana Hauber, a analista de recrutamento, uma mulher elegante, corporativa e simpática adentra a sala com um bom dia convidativo, oferecendo água e café a todos.
Aquele ambiente era ótimo: uma sala de reunião confortável, requintada e tudo corporativamente bem ajustado, com os melhores corporativos juniores de São Paulo figurando junto com Luciana Hauber (o futuro chefinho, o gestor de fundos Adilson Franco, chegaria minutos depois para completar o elenco da peça teatral – um corporativo que se preze sempre chega atrasado a reuniões não importantes, pois estava envolvido em problemas relevantes – por mais que ele estivesse vendo vídeos de sacanagem em seu computador).
“Pessoal, bom dia a todos meu nome é Luciana, sou da área de “recruitment & career” do Bank Merdon, estamos começando mais um processo de seleção de novos talentos do Merdon. Este programa é uma ótima oportunidade para se iniciar uma carreira em uma instituição de renome. Nosso intuito aqui não é preparar os melhores estagiários, mas sim grandes profissionais para o mercado. Eu posso afirmar isto com convicção, pois também adentrei aqui em um programa de seleção de talentos e sei bem o quanto aprendi nestes dois anos de Merdon.”
“Estamos selecionando estagiários para a área de fundos. O Adilson -gestor da área- participará também da nossa dinâmica. Infelizmente ele não está ainda presente, pois acabou de retornar dos EUA. O A.F. esteve uma reunião com diretores em Merdon durante a semana toda e pelas informações que tenho, o vôo dele atrasou.”
Antes que ele chegue, vou dar algumas dicas quanto ao Adilson. Ele é uma pessoa de espírito jovem, super mente aberta, bem “easygoing”. Aproveite bastante este oportunidade para perguntar todas as dúvidas a ele. Eu o conheço bem e sei quue terá o maior prazer em respondê-los
Lembro bem, o quão boquiaberto eu fiquei! Sinto que naquele momento eu parecia uma garotinha ingênua e virgem sendo seduzida pelo fantástico mundo de Merdon (as empresas seduzem a garotinha virgem à uma noite romântica, a estupram com voracidade e depois a manipulam a pensar que aquilo é o amor; uma garotinha virgem jamais se voltaria contra o imponente reprodutor que a “ama” com muita voracidade).
Imaginem eu em Merdon tomando decisões junto com meus colegas gringos sobre os rumos do Bank Merdon, vôos internacionais, falta de tempo. . . o que era suspeita, naquele momento tornou-se certeza, Merdon era o tal do futuro promissor. O A.F. tornar-se-ia repentinamente meu senhor, meu pastor, proprietário exclusivo de meu futuro.
Luciana Hauber pausou um pouco a dinâmica para que aguardássemos a tão esperada chegada do príncipe. “A.F. ?!?!!? Nossa, o cara é foda!” Comentávamos todos em voz baixa sentados tomando água e café. Eis que Mr. Adilson Franco entra na peça. Só faltaram lágrimas e aplausos por parte dos aspirantes. Este foi o primeiro show business de minha vida.
A.F. e Luciana Hauber se cumprimentam e começam a conversar entre si, mas voltados a nós. Achava demais o mundo corporativo, mas não entendia o verdadeiro significado daquela irradiante simpatia contracenada pelos dois, com conversas agradáveis, sorrisos em excesso e piadinhas corporativas para divertirem os aspirantes. Realmente não sabia que aquilo era um teatro. Em minha mente, eles eram naturalmente assim, pois eram pessoas diferenciadas e melhores, afinal foram escolhidos pelo Merdon.
Hoje sinto muito vergonha da minha ingenuidade. Mas enfim, o teatro começou: palhaços a posto, que a prova do líder vai começar. Aspirantes divididos em grupo, estudo de caso na mesa, A.F. e Luciana assistindo e anotando. Aquele jogo de oito contra oito era bizarro. Havíamos um tempo para ler o estudo de caso e depois começaria o “brainstorm” igual àquele do cartaz.
Mesmo entre nós aspirantes, o tal do “brainstorm” não era lá tão inocente quanto àquele. Recordo-me de quase todas as vezes que tentava falar, um ou outro me interrompia com suas tacadas de “gênio” (ou de mal-educado), não me deixando qualquer reação. Então me questionava se de fato aquilo era um trabalho em grupo ou a competição de quem falava mais ou de quem conseguia concluir o raciocínio sem intervenção de ninguém.
No mínimo, estava um pouco distante daquilo que poderia se considerar “trabalho em grupo”. Mais bizarro era quando Luciana Hauber passava pelos grupos! Mesmo aqueles mais quietos procuravam se exaltar, falar, argumentar, discordar e profanar. Naquele momento passei a perder o respeito pelo verdadeiro intuito da atividade. Então minha única defesa, seria discordar e fazer prevalecer minha idéia, mesmo que a do meu companheiro fosse melhor. Assim como todos faziam. Aquilo me remetia ao que seria a Torre de Babel, talvez a Junior. Anos depois eu vim a conhecer a Torre de Babel profissional.
Enquanto isso, no melhor estilo “Bolanos e sua prancheta” (vide texto anteriores), A. F. apenas anotava. Então quando faltavam cinco minutos, uma mente supostamente sã de nosso grupo, alertou para concluirmos rapidamente, pois restava pouco tempo. Por tempos achava que isto era um perfil de liderança e voltado para resultados; após umas cinco dinâmicas percebi que o melhor nome para aquilo era “malandragem” de alguém experiente em dinâmicas.
O final da dinâmica foi um verdadeiro “gran finale” desta peça; um grupo contra o outro! Todos queriam se mostrar o quanto pudesse para A.F. Este apenas fazia algumas questões pontuais, nada que exigisse muito conhecimento. Lembro uma garota, perfil “analista Mari”, discutindo em alto brado com o estrela da dinâmica, perfil “estagiário nerd” – cursava Faculdade Gurmecindo Vera, colegial na Alemanha, fluência em inglês e alemão e papai era diretor do Banco Surreal.
Enquanto o colega discursava com ar de superioridade, a garota, também da Gumercindo Vera o interrompeu com “desculpa fulano, mas não é isso que o Adilson e a Luciana querem ouvir.” Adilson a interrompeu e rebateu: “fulana, vocês não devem dizer coisas para agradarem eu ou a Luciana, mas apontar soluções em que a Merdon seja beneficiada”. Tenho certeza que uma dinâmica como esta teria enorme audiência em várias redes de TV.
“Pessoal, acho que vocês já devem estar exaustos com esta manhã repleta de atividades conosco. Saliento que temos urgência na conclusão do processo e acredito que até o fim da semana vocês já terão um feedback. Gostaria de perguntar se alguém tem alguma questão sobre o processo ou até mesmo sobre a Merdon”
Não tinha nenhuma dúvida, ninguém também. Não fui aprovado, não sei quem foi. Confesso que a sensação de rejeição por conta da reprovação foi dolorosa. Na verdade a dor da rejeição é a contra partida da felicidade de quem entra na Merdon. Depois de tempos aprendi que esta sensação de grande felicidade ou grande tristeza não se deve a uma competência ou incompetência para adentrar na instituição, mas sim à expectativa que se cria (tanto você, quanto sua família e mesmo os colegas de faculdade) a respeito da instituição.
Uma grande expectativa na família é criada, pois entrar na Merdon seria a certeza de que o investimento em seu filho obteve frutos (o fruto que se colhe em uma instituição Merdon é o grande alvo de críticas deste blog). E então aflição de anos de várias famílias, noites de insônia de dezenas de jovens e o tal do futuro promissor são decididos por uma gincana medíocre e uma conversa de dois minutos entre um tal de A.F. e uma jovem iludida por aquele fantástico mundo de Merdon. Depois de anos, tive a felicidade de chegar a conclusão de que só tem futuro promissor aquele que tem coragem e discernimento para decidir o próprio.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Mandamentos corporativos (paranóias)

1-) Bloqueie computador até mesmo quando for pegar algo na impressora;

2-) Evite reações – mesmo que involuntárias – inusitadas ou bizarras. Segundo você mesmo e sua síndrome de egocentrismo, sempre alguém te observa;

3-) Tome muito cuidado com as cópias ocultas; sempre coloque alguém em cópia oculta

4-) Quando estiver defecando, apenas saia da casinha quando certificar-se que não há ninguém no banheiro. Mesmo trancado lá, jamais , sob hipótese alguma, solte gases em alto brado. Se alguém te pegar nesse contexto, certamente seu trato com esta pessoa nunca mais será o mesmo

5-) Jamais diga algo comprometedor em território corporativo, afinal você é vigiado 24 horas por câmeras, microfones invisíveis e funcionários espiões contratados especificamente para vigiá-lo;

6-) Não há conversas “a toa”; há trocas de informações; uma informação paga outra informação ou não há negócio;

7-) Não seja você; seja quem sua empresa quer que você seja;

8-) Colegas de mesmo nível hierárquico são concorrentes; colegas de mesmo nível e mesmo departamento são inimigos;

9-) Sempre! Escute bem: SEMPRE ! Sempre se passe por alguém atarefado, afinal você está envolvido em um "business" com faturamento bilionário. O máximo de seu esforço é o mínimo que você pode fazer por algo tão grandioso. Vide texto: “dicas para se passar por alguém atarefado”

10-) Toda vez que abrir e-mails fora do contexto, tais como correntes religiosas, ou mesmo da Causos Corporativos (alias, em nossa opinião, o Jeferson de Sistemas deveria permitir e-mails da Causos, já que estamos sempre divertindo seu contexto), minimize um pouco a janela e posicione-se exatamente na frente da tela, mantendo-se atento (a) e em posição de ataque com o dedão esquerdo na tecla ALT e o médio no TAB (lógico que você estará com alguma planilha aberta). Lembre-se que plano de fundo escuro no ambiente corporativo é estratégico, aliás, é um espelho.
11-) Almoços são estratégicos; jamais almoce casualmente. Todos estão observando seu círculo de contatos. Almoçar com alguém não popular, com um gerente mala ou com estagiários pode ser fatal. Há grande riscos de ninguém nunca mais almoçar com você.
11.1) Por mais que você seja solitário, jamais almoce sozinho; se o fizer, fará para sempre;
11.2) Por mais que o bife a cavalo do Bar do Antônio do lado da sua glamourosa empresa seja fenomenal, jamais entre neste. Seu filme vai incendiar se te flagrarem sentado num boteco.
11.3) Lembre-se: evite assuntos que não sejaM corporativos; você não tem tempo para BBB, futebol e afins. No mínimo, o assunto deve ser a bolsa de valores.
12) Jamais ria de piadas de estagiários, mesmo que o fulano seja cover do Ary Toledo. Após a piada, utilize-se de toda arrogância, virando para os seus afazeres em sua baia, sem qualquer feição de risos;
12.1) As piadas dos diretores são sempre engraçadas, mesmo quando não são (o que não é raro). Ria do começo ao fim, sem parar. No final solte aquele falsa gargalhada que só você sabe fazer.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

E-mails corporativos: Manual de "boas maneiras"

1-) Qualquer atividade ou troca profissional realizada deve vir inevitavelmente acompanhada de um e-mail; não importa o quanto você faz, o importante é o quanto os outros pensam que você faz

2-) Tome muito cuidado com as cópias ocultas;

2.1 Sempre coloque alguém em cópia oculta

3-) Jamais escreva algo comprometedor e pessoal; seja formal, afinal, dane-se o que você sente, aliás caso esteja abaixo do alto escalão, dane-se você;

4-) Independente de seu nível hierárquico, caso seja da filial brasileira de uma multinacional, jamais, sob hipótese alguma, redija alguma solução de ordem estratégica. Não importa o que achas, o que pensas e ninguém está disposto a apoiar sua idéia. Ofereça sempre soluções operacionais, práticas e baseadas em fatos reais. Você é remunerado para pensar sobre como otimizar os processos, criando formas automáticas de transpor números de um sistema a outro, além de criar relatórios eficientes. Aliás, isto é um tanto quanto cruel; uma espécie de suicídio de longo prazo: você desenvolvendo formas para o seu chefinho não precisar mais de você um dia.


5-) Finalização do e-mail;
5.1 O primeiro contato deve ser acompanhado do atenciosamente, afinal, você deve fingir ser sempre atento aos problemas do seu correspondente;
5.2 No segundo contato, abrevie; utilize “att.”; afinal você já está corporativamente mais íntimo do correspondente
5.3 Sds, para a terceira vez;
5.4 No quarto, vocês já são parceiros, mande logo um abraço e se for menina, mande um beijo;
5.5 No quinto, é ritmo de festa, abraços e beijos abreviados; Caso a correspondente seja uma donzela, abrevie o nome dela; e se for deveras atrevido, chame-a de princesa
5.6 Se o correspondente for de alto escalão, seja sempre formal, mesmo que ele(a) dê abertura para informalidades. Não caia neste truque: ele te dá corda . .depois puxa te enforcando; ele te leva aos céus, depois te joga de lá sem asas e para-quedas
5.7 “Sem mais para o momento” é jargão de secretária dos anos 80; jamais utilize!

6-) Seu erro foi apontado em e-mail com cópia para mais de cinco pessoas:
6.1 Jamais peça desculpa; humildade em empresas é fraqueza e assumir erros é derrota
6.2 Negue o erro enquanto puder;
6.3 Justifique o erro enquanto puder;
6.4 Minimize o erro enquanto puder
6.5 Culpe a área de sistemas;
6.6 Inverta o jogo, ache alguma falha partindo daquele que te acusa
6.7 Culpe estagiários de seu departamento;
6.8 Use sempre sujeito oculto; ao invés de utilizar, “eu poderia ter feito”, redija: “neste caso, uma boa alternativa seria”
6.9 Esconda-se atrás da própria falha, com frases de efeito do tipo: “neste momento, o importante é não achar culpados, mas sim soluções”
6.10 Em empresas, vale o ditado “com ferro fere, com ferro será ferido”; prejudique o camarada acusador de forma impiedosa na primeira oportunidade.


7-) E-mails direcionados a:
7.1 superior direto: devem vir acompanhados da mensagem “já está resolvido”; Mesmo que não esteja;
7.2 Colegas de mesmo nível hierárquico e departamentos diferentes: devem vir sempre acompanhado do “acho que ainda vocês não entenderam”. Colegas de outros departamentos são inimigos e seus e-mails devem ser rebatidos com cópia para seu chefinho. Além do mais, lembre-se que em empresas você deve ser prepotente e o clima é de guerra: no curto prazo, quem é mais cafajeste sempre chora menos;
7.3 Colegas de mesmo nível hierárquico e mesmo departamento: se mostre líder, mostre quem é o futuro chefe deles, seja imperativo em seus e-mails, porém de forma sutil. Exemplo: “Neste caso, o melhor a ser feito é x, y ou z”
7.4 Diretores, vice-presidentes e presidentes; evite trocar qualquer e-mail com estes senhores; Tudo que redigires será utilizado contra você no tribunal


8-) E-Mails em inglês:
8.1 Best Regards é próprio para aluno do cursinho de inglês de São Miguel; pareça internacional! Mostre-se globalizado! Utilize kindly regards!
8.2 Implore a atenção do seu colega corporativo da matriz de forma elegante. Utilize: Looking forward to hear from you soon;
8.3 Início do e-mail: Utilizar Dear James Thompson, no primeiro e segundo contato é plausível; após o terceiro é inexperiência; Mande logo um Hey James, ...
8.4 Could you please! Sempre! Mesmo que pareça do cursinho. Você é mal-educado, mas deve se mostrar polido
8.5 Lembre-se: em contatos com matriz, você é o peão, você reporta; então nunca esqueça: please, find attached; please, find bellow


9-) Polemize sutilmente para terceiros se digladiarem; depois concilie; a imagem vale mais que seu caráter . . .mostre-se um solucionador de conflitos, mesmo que tenha de ser o causador dos próprios;

10-) TODOS e-mails devem vir acompanhados da palavra URGENTE;

11-) Por vezes:
Seja bem humorado: chame seus colegas de departamento de prezados
Seja irônico: chame-os de senhores;
Seja irônico bem-humorado: chame-os de senhores do conselho (imaginem o Teixeira no conselho de administração. .é no mínimo engraçado)
Seja provocador: chame-os de colegas;
Seja provocador irônico: chame-os de amigos;
Seja tudo isso junto e de forma agressiva: chame-os de doutores

12-) Seu e-mail é seu documento; seu e-mail é sua sentença; seu e-mail te condena e te salva, seu e-mail te protege e te derruba; seu e-mail te salva, te mata e te ressuscita; utilize-se muito bem dos jogos de palavras e sempre saiba a hora certa de enviá-lo
12.1 E-mails corporativos jamais devem ser escritos em momentos de raiva. Pode ser fatal;

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Bolaños e sua prancheta

Para ser sincero, nunca soube ao certo qual o verdadeiro nome daquele mexicano com bochechas de Kiko, barriga de Nhonho, óculos de Seu Barriga e um ar de Firmino. Sua função tampouco era clara: não estava em nenhuma hierarquia das quais tínhamos acesso. Mas ele tinha cara de Bolaños e era assim que decidi apelidá-lo (para mim mesmo, obviamente).

Concentrado em minhas funções extremamente estratégias e vitais para a empresa: colocar Notas no Sistema, cotar o preço de Palm-tops e criar planilhas de vendas (o mais incrível é que eu era da área de marketing), demorei a perceber a sua presença silenciosa e calculista.

Bolaños chegou à empresa exatos 12 meses após o anúncio da fusão com a empresa mexicana e pouco menos de 2 meses após o maior fracasso de marketing da empresa em solo Brasileiro. Na ocasião, investiu-se caminhões de dinheiro para um aumento pífio de 2% nas vendas. Uma coisa estava clara: algo fedia...

Minhas funções me deixavam com bastante tempo ocioso e, entre um café e um cigarro, comecei a notar mais o que Bolaños fazia. Acompanhado de sua inseparável prancheta, Bolaños passou alguns dias simplesmente caminhando entre as baias e fazendo anotações. Começaram então a perceber sua presença.

O gerente da fantástica marca que obteve um incrível aumento de 2% em suas vendas era quem mais caçoava de Bolaños. Já temendo pelo pior, aquela era talvez a forma de se mostrar despreocupado e confortável com a situação.

Bolaños não falava com ninguém. Aliás, com quase ninguém. Os mexicanos trouxeram uma equipe grande de gestão. Era só com esses chicos que Bolaños falava, sempre com sua prancheta.

Na semana seguinte da sua chegada, saíra o anúncio do dissídio. Obviamente, o aumento de 3% negociado, causou mal-estar. Convocou-se então uma reunião do RH com os “colaboradores” da empresa.

Ninguém notou aquela figura pouco imponente no fundo da sala, acompanhado de sua prancheta. Fabrício Souza, gerente pleno de finanças, tomou a liderança da situação (com o objetivo indireto de ganhar a nota máxima no quesito Leadership & Coaching na avaliação de desempenho) e já foi logo dizendo que os funcionários estavam chocados com aquele aumento bem abaixo do esperado. Zé Carlos, Gerente Nacional de Vendas há 35 anos, famoso por abusar sexual e moralmente de suas funcionárias, concordou de bate pronto. Utilizando de técnicas de vendas da metade do século, chamou a atenção para si. E quem ousaria a interromper o dinossauro da Companhia (e perder as festinhas prives que dava em sua casa com a justificativa de “Jantares para clientes” em sua descrição de despesas do mês)? O time inteiro de vendas da fracassada marca fantástica entoou um grito de guerra. A bagunça se instaurou.

Foi aí que Bolaños, do fundo da sala, se apresentou:

- Buenas tardes, señores. Mi nombre es Arturo Domínguez. Soy gerente de recursos humanos para las Américas. Estoy en Brasil para entender mejor cómo la vida cotidiana de ustedes en La Compañía.

Subitamente, a equipe de vendas parou de gritar, o gerente de finanças foi ao banheiro e Zé Carlos, o safadão, se sentou.

Tarde demais. A prancheta de Bolaños já ditara o veredito final: demissão para o gerente de finanças que maquiou os números (o aumento de real de vendas da marca fantástica foi de 1,7%, não de 2%), demissão para Zé Carlos, o safadão, que só em “jantares” havia gasto R$ 50 mil no último ano, demissão para o Gerente de Marketing da marca fantástica e de toda a equipe de vendas da mesma.

Deu-se a fusão enfim. E Foi dado o recado: agora, quem manda são os mexicanos.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Corporatês - 2ª aula

Nesta segunda aula de corporatês, trataremos exclusivamente da classe dialética relacionada a mania de business english da ralé e semi-ralé corporativa. Estou longe do mundinho já faz um ano ( e quem está dentro se vangloria disto – vos digo: tenha certeza, uma jogadora de Tarot e búzios é mais feliz que você) e por vezes me atualizo com colegas que estão encarcerados nas baias. Um deles me contou que o analista Junior já não está mais em uma ligação; Agora ele está “IN CALL”.
A utilização do termo em Terras Brasilis é lamentável por si só, não restando muito a divagar. No entanto, pensando em sua origem, há uma hipótese. O nosso co-supervisor fora para o curso de International Accountancy Standards (entenda como turismo corporativo) nos EUA e durante o treinamento ficou os dias junto com o pessoal de lá. Então, quando retornou ao Brasil, falava o termo, mesmo quando não precisava. Por meio de infinitas redes de contatos, o termo se popularizou e hoje os favelados corporativos estão todos in call . .eles comem mortadela e arrotam um “estou in call”.
Se você deseja se manter em sua querida corporação pelo menos durante o período de experiência, jamais, nunca mais, diga rede de contatos. Você tem um NETWORK. Alias você não tem amigos, você tem network; da mesma forma, não faz amizade, faz network. Um corporativo que se preze não tem amigo! Tem contatos espalhados por todos os cantos. Embora existam coisas como o LinkedIn, tenham certeza que esta mania superficial e falsa de network tem um campo ainda maior para atuar. Em dentro de dez anos, haverá mercado de compra e venda de contatos. Net market: Luciana Hauber, atuação como analista de recrutamento, “morou” na Inglaterra seis meses – valor R$ 70,00; ainda acho que já tem coisas melhores em outros mercados por cinquentinha!
NETWORK é a evolução do antigo “círculo de amizade”. No auge dos anos 70 e 80, os meios de comunicação não eram tão evoluídos e o mercado não tão competitivo e grande, restringindo as pessoas à grupos menores. As panelinhas ou círculos de amizade eram grupos de pessoas que se mantinham em rede de “ajudas superficiais” (nada de emprestar dinheiro. . .mas sim indicações para emprego, clientes ou coisas do tipo) mútua.
Com o desenvolvimento econômico brasileiro em meados da década de 90, o mercado tornou-se muito abrangente e os corporativos daquela geração perceberam que o formato de grupos pequenos não estaria mais adequado, dado a gama enorme de opções e oportunidades. Então com a explosão da internet no fim da década, surgiu-se a idéia de ligar ou LINKAR todos os corporativos em redes de contato mundial – a aldeia da corporação global.
Entretanto, estava implícito que o novo conceito não funcionaria muito bem. Seria superestimar deveras o coletivismo e altruísmo do corporativo padrão. Ele é mesquinho, orgulhoso e egoísta bastante para não aceitar, de forma alguma, ser contato de qualquer um. Pensariam vocês que Régis – um compliance analist da Alpha - aceitaria ter qualquer vínculo, ligação ou contato (por mais virtual que seja) com a Francislene, a assistente administrativa da Augenor Contabilidade ? Seria muita ingenuidade de vossas partes.
Hoje, os poucos maliciosos círculos de amizade dos anos 70 e 80 vieram a transformar-se no preconceituoso, hierarquizado e internacionalizado NETWORK - grupos de pessoas com o currículo semelhante são contatos das outras e barreira de entrada é enorme, caso seu CV seja inferior. É a moderna sociedade de mercado dividida arcaicamente em castas.
Interessante é Fernando do Planejamento estratégico, que enquanto resolve algumas “buxas”, deixa as outras em STAND BY. A utilização do termo é um pouco justificável na medida em que passa 15 horas de seu dia na frente de um computador, mesmo assim, fico em dúvidas sobre o porque de não deixar o assunto “no aguardo”, ao invés de em stand by? As vezes fico francamente sensibilizado com a síndrome de cidadão do mundo dos corporativos; parece que há uma forte necessidade em parecer e aparecer internacional.
Uma vez na segunda aula, é hora de abordarmos as abreviações do business english. Desta vez, o escolhido é o FYI. Esta abreviação é uma forma polida que os corporativos adotaram para falar “não vai dizer que eu não avisei”. O PSI (Para Sua Informação) já seria suficiente, mas não basta ao corporativo ser corneteiro, ele deve espalhar o e-mail alheio em alto estilo; então solta o rebuscado FYI.
Mais engraçado é o B.R.!!! Não bastando a falta de coerência em nome de uma sofisticação no mínimo cafona e esdrúxula, na qual o fulano escreve um e-mail em português e o finaliza com um “Best Regards”, agora ele abrevia!
Lembrando os termos do início da década, não poderíamos esquecer do “IN OFF”. O termo popularizou-se tanto que hoje pode ser ouvido em qualquer conversa banal fora do contexto corporativo. O IN OFF eternizou-se pois reflete como nunca o espírito corporativo da restrição de assunto dividida por castas. Quanto mais IN OFF te contam, mais influente és na organização. Verdadeiramente, o termo é a sofisticação corporativa do famoso pedido da suburbana fofoqueira: “pelamor de Deus, você não conta nada pra ninguém hein!”.
Os “IN OFF” geralmente são contados em almoços, cafés ou happy-hour, porém jamais em território corporativo não neutro (o café é considerado neutro), pois conforme sugere o quinto mandamento das paranóias corporativas (vide próximos textos), a empresa é cercada em toda sua dependência por câmeras, microfones e “colegas espiões” contratados especificamente para te vigiar.
Estes dias estava saindo de casa e cruzei com a Dona Maria, uma vizinha de rua. Ela me deu bom dia e logo adiante não resistiu: “ menino, você não vai acreditar . . olha, eu vou te contar mas é enhofi. ..” então pensei: se o “enhofi” chegou nos bairros, por que, também, não separar as baias com portões? São mais adequados para fofoca.
Realmente muito engraçado é ver o Aranha – gerente do fiscal – sendo chamado de COACH pela Isabel da área de treinamento. Quando ouço o jargão corporativo bastante invocado pelos RH´s, me vem a mente aqueles treinadores de futebol americano com aquele bonezinho, um apito pendurado e aquele uniforme de esportista.
Mal posso imaginar oAranha chegando vestido nesses trajes e apitando no departamento inteiro, pedindo nota fiscal para o Dorival, o assistente sênior do fiscal, aquele senhor de 60 anos que conhece todas as notas da Alpha desde 1970. Isto acontece e chega a ser surreal chamar Aranha de coach do Dorival. Surreal mesmo é o abuso do inglês no corporatês que procura enquadrar e padronizar todos segundo seus jargões e expressões.
As grandes empresas não são formadas por marcianos, mas por pessoas provenientes de um mesmo povo e, portanto, embora os RH´s procuram cultivar e estabelecer uma cultura de aldeia global com sofisticação, diferenciação e internacionalização, as corporações refletem os mesmos vícios sociais de seu país. Afinal, o que somos nós brasileiros? Em minha opinião, seguidores alienados e obcecados em transformar aquilo que vem de fora em nosso. Cazuza é mesmo imortal em dizer que brasileiros burgueses são caboclos querendo ser ingleses.