terça-feira, 30 de novembro de 2010

O papai noel e a carocha

Que as empresas são grandes fabricantes de “diz-que-me-diz” é fato consumado! Aliás, se as baias pudessem escrever um livro sobre as abobrinhas, groselhas, injurias, falsas promessas que ouvem, certamente produziriam textos muito mais divertidos em comparação com os do Causos Corporativos. Mais hilariante ainda, se pudessem debater entre si o que escutam diariamente dos corporativos. Porém, as baias não serão os personagens deste post, mas sim de algum próximo. Neste aqui, as groselhas serão classificadas de acordo com os seus prováveis autores, dentre eles: o papai Noel ou a carocha.
Formalmente, o jargão “conversa da carochinha” é definido como gênero de prosa e ficção, narrativa folclórica e história mentirosa. E nada mais mentiroso e folclórico do que a eterna promessa de Fernando do planejamento estratégico de que “vai largar tudo e abrir um quiosque na praia com a esposa”. Só vou acreditar quando eu estiver in loco. E como gostaria de vivenciar este momento! Presenciar a cena do corporativo padrão gerenciando seu quiosque na praia me proporcionará maior diversão do que qualquer banda de pagode ou meninas de biquíni que eventualmente figurariam por lá.
“Benzinho, você já formalizou por e-mail com cópia para mim o PO (purchase order) de 10 engradados?” “o pessoal da peixaria do Genival já se posicionou? Já formalizaram a cotação?”
“Já falou com o Tonico do cavaco? Quero e-mail com cópia para o chefe de banda . .ah, me copia em cco. Confirma o evento 21h sem delay!”
Banda no quiosque, cinco “gatos pingados”. “Amor, precisamos elevar o faturamento em 30% para bater o break-even”. Foco na porção de camarão e desestimular o temaki de lula (apenas um corporativo - e seu egocentrismo com traços psicóticos - teria a “brilhante” idéia de oferecer temaki em seu quiosque).
As conversas da carochinha são marcadas pelo seu tom fantasioso e geralmente são narrados pelos corporativos, sem muitas pretensões. Poderíamos perfeitamente denominá-las como “lendas corporativas”. Tão lendário quanto o Praxedes, o qual é sempre usado como exemplo para tudo por Teixeira nas conversas corporativas. Os lendários e épicos são aqueles profissionais que não existem.
Segundo Teixeira, o Praxedes tem duas graduações nos EUA, 5 MBA´s, pós-graduação em Westfhalenheim, Alemanha (a cidade deve ser fictícia também). Foi gestor por dez anos no Bank Merdon, diretor financeiro da “Joãoson e Joãoson” por cinco anos reportando-se diretamente para o CFO das Américas. Isso com 35 anos. Com 40, já era CFO mundial da Unieleven.
Quando vejo alguém versando sobre algum “super herói” corporativo, me programo para reduzir a pelo menos ¼. Dependendo do locutor, não acredito em nada! As vezes sinto piedade do Teixeira quando cria em sua mente um CV imaginário, apenas para expressar a trajetória profissional de seu sonho!
Talvez uma grande candidata ao prêmio “a carocha do ano” poderia ser a analista Mari, a qual se auto-promove, regularmente, dizendo que sempre recebe “proposta com salário muito melhor em departamentos mais estratégicos de empresas melhores”. Talvez a minha pergunta seja a mesma do leitor: então, por que não aceita? As vezes passo a crer que ela aplica aquele mesmo charme da adolescente menina-moça, quando conta para as amigas, que o Zezinho, o Luizinho e o Fernandinho estão afim dela. Mas ela não aceita ninguém, pois se considera muito superior. Fazendo a analogia, a Merdon, a joãoson e a Unieleven estão disputando “a tapa” uma tal de analista Mari. Mas ela não sai da Alpha! As propostas estão aquém da profissional que ela diz ser. Afinal, ninguém transporta dados do SAP para o Excel tão bem quanto ela! Ninguém faz tabela dinâmica como ela! Tabela dinâmica por cima, por baixo, de frente e de costa (peço desculpas aos corporativos: tabela dinâmica não, Pivot table). O mercado tem mais é de brigar por uma talent como ela!
Embora fictícias e sonhadoras, as conversas da carochinha não afetam tão diretamente sua vida profissional quanto as promessas de papai-noel. Tentadoras, agressivas e sedutoras, oferecem o maravilhoso mundo o qual você nem sequer chega perto e como conseqüência te frustra.
Dentre elas, a melhor, mais velha e famosa: reajuste salarial após um ano de casa. Dado que os orçamentos proíbem oferecer salário maior do que a mixaria que te foi proposto (da mesma forma você aceita, pois como todo bom corporativo, não suporta mais a atual a empresa), então o selecionador tira esta carta da manga no momento da entrevista.
Em minha humilde, radical, porém não esquizofrênica opinião, o maior defeito dos corporativos começa neste ponto: quando ressentem, subjugam e desmerecem os seus respectivos proventos mensais. A troco de que pessoas se enjaulam 14 horas por dia? Sinceramente, acredito que não há quantias financeiras que satisfaçam tão longa dose de esforço diário.
Se não há prazer e satisfação em relação à atividades, funções e ambiente, não há remuneração bastante. Comentário do tipo, “se eu ganhasse uns 30 mil por mês, tudo bem” perde a validade quando de fato se começa a ganhar 30 mil por mês. A insatisfação tem outra causa, porém a culpa é do salário! Entre as conversas da carochinha do gênero, prefiro acreditar naqueles que colocam, em seus discursos, o jargão “não há dinheiro que pague”!
Culpar o salário é alienar-se e cegar-se para as mazelas e insatisfações corporativas e, além do mais, para um corporativo padrão, quanto maior seu salário, maior e mais sofisticado é o instrumento alienante que pode adquirir, tais como carros de luxo, confortos desnecessários e fúteis, tudo que o faça esquecer a vida escravocrata e sem sentido que leva. Afinal, dado que se trabalha 14 horas/ dia, restam apenas 10 para atividades que não trabalho. Três horas de translado, 1 hora de refeição noturna e seis para dormir. Resumo: o mundo corporativo é a escravidão do século 21.
Menos importante, porém não irrelevante para o presente é a "promessa de estacionamento". E aqui proponho uma dica: caso te deram prazo de um mês para a famigerada vaga, pechinche um plano anual no estacionamento ao lado. Se o prazo para uma vaga é indeterminado, então esqueça! Jamais guardaras a sua coisinha popular em meio aos cayennes, Tucson, A6, A7, A8, A5000 dos amáveis gestores da Alpha.
O papai noel corporativo atua bem também nos campos de viagens corporativas internacionais. Trainees, analistas e pequena gerência (os miúdas) são sempre atraídos pela “projeção internacional”ou pelos “treinamentos no exterior”. E então se sentem obcecados e atraídos por aquele mundo encantado e sem fronteiras, acreditando que de fato serão levados pelo trenó do bom velhinho às terras longínquas e desenvolvidas.
Trenó este que levam também os aspirantes! Mais especificamente, os estagiários! Vestido de terno, o bom velhinho convida o novato à entrevista, na qual sempre entoa o seu famigerado discurso promessa: “após o fim do contrato, há grandes chances de efetivação . . veja a Luciana Hauber (analista de recrutamento, sempre presente - a arroz de festa das entrevistas), ela adentrou na Alpha como estagiária, foi efetivada e hoje faz parte da equipe da gestão de pessoas”
Não há como lutar contra fatos! Basta calcular a relação entre estagiários contratados por multinacionais e os realmente efetivados naquela. E, então, automaticamente direcionam a óbvia, porém ingênua contra-argumentação: “claro, só os talentos são efetivados!" No começo da minha carreira, carregava esta máxima comigo também. E, francamente, gostaria de perpetuar com ela. Porém, novamente, o mundo corporativo violentou mais um de meus prematuros sonhos profissionais: efetivação graças ao esforço!
Quando não efetivado para suprir uma necessidade imediata, o estagiário precisa de duas grandes sortes, tendo ambas atuando simultaneamente: primeiramente, cair nas graças de seu superior direto e assim tornar-se seu afilhado corporativo e a segunda e derradeira: que seu padrinho corporativo seja alguém influente. Há certa “meritocracia” na primeira exigência, muito embora o “cair nas graças” no universo corporativo geralmente não se dá em planos racionais e objetivos, mas sim em esferas políticas, subjetivas e emocionais, do tipo: “o chefinho foi com a sua cara”. Porém o segundo requerimento é pura “sorteocrácia”: jamais terás o luxo de escolher seu superior direto em uma entrevista.
Na mesma classe de anedotas encontra-se “A sua chance de crescimento nesta área é muito grande. ..tudo vai depender de você”. Desenvolvimento profissional?! Não, claro que não! Quando ouço este famoso jargão em uma entrevista, sinto que o meu futuro chefinho já está pensando em jogar a conta da patifaria político-corporativa nas minhas costas! Desde quando a ascensão de alguém depende apenas do próprio esforço, competências e habilidades? Desde quando a chance de crescimento é grande? Desde quando alguém espera pelo seu crescimento? O auge de seu esforço é apenas o ponto de partida: sem este, será muito difícil conquistar pelo menos o mínimo de respeito.
Caso já esteja pensando em sugerir instalação de detector de mentiras no departamento, venho novamente com más notícias: o gerador de lero lero corporativo não para por aí! Aliás, a título de introdução à malandragem corporativa, foram apresentados apenas os mais brandos e simpáticos papai-noel e carocha. Mas que os outros personagens do gênero das anedotas não se sintam injustiçados: em próximas postagens, entrarão em cena, o vigário, o super.man@alpha.com e o joão.sem.braço@alpha.com!

2 comentários:

Anônimo disse...

Essas obras primas precisam ser conhecidas por mais gente.

Anônimo disse...

Que deprê... e quem ri, ri porque conhece bem!
Disse bem a Patricia Field, figurinista, lésbica e doidona: "estamos na idade das trevas corporativas"... adorei...
Leiam Tom Hodkingson, ele escreveu um livro maravilhoso sobre se liberar das corporações: "The Freedom Manifesto".