São 7h43 e Rosangela Carolina Leite Tavares, vulgo Rose, passa pelas catracas do ABTC (Alpha Business Trade Center). Como de praxe, “bate o cartão” todos os dias pontualmente às 7h48 (conforme obriga seu contrato de trabalho, data de 1984). Natural e residente de Guaianases, acessa a empresa via ônibus, metrô e trem, despendendo, diariamente, 3h00 de translado.
Adepta convicta do ditado “Deus ajuda quem cedo madruga”, vem acordando cada vez mais cedo, devido a problemas com longos congestionamentos. Foi-se o tempo em que acordava às 6h18 rumo a Alpha. Hoje, seu galo digital canta não depois das 5h48. Fuma um cigarro, prepara o café, toma banho e lá está Rose com seu saquinho de pão de queijo “10 por 1 real” adquirido no terminal de ônibus de Guaianases.
Rose, 44, é casada, mãe de dois filhos e avó de dois netos, o Joanderson e a Sharliane. Mora apenas com o marido, o corretor de seguros Adailton Tavares, 54. Os filhos se casaram novos.
O perfil Rose do fiscal é o mais comum dos ambientes corporativos, porém o menos percebido, devido sua falta de pompa. Pelo menos 60% dos colaboradores de uma multinacional são como ela. Rose entrou na Braspolas ltda. com apenas 18 anos, com o cargo de aprendiz de assistente.
Durante a carreira, passou pelos mais diversos temores em sua única área de atuação, a fiscal. Para uma legítima CLT, não há nada mais temível do que uma demissão induzida (e nada mais doce que uma acordada). Rose C. Leite Tavares do fiscal agradece todos os dias a Deus e a Dorival, seu chefe, por nunca ter vivenciado semelhante experiência.
Seu objetivo de vida sempre foi a manutenção do emprego a qualquer custo até o merecido descanso da aposentadoria, após 40 anos de “suor honesto”. Suor honesto até a aposentadoria, seu lema! Houve períodos difíceis, é verdade! A abertura de mercado em meados de 1990 foi a primeira turbulência de sua carreira. A Braspolas passou por uma grande crise devido às concorrentes multinacionais ávidas pelo mercado de 140 milhões de Roses em ação. Corte de 60% do departamento do fiscal e 40% da contabilidade.
Rose salvou-se graças a influência de Dorival, seu chefe, padrinho de casamento e amigo de infância de um dos sócios da Braspolas. Adailton enciúma-se descaradamente de Dorival, mas admite que apenas não passou fome graças à bondade do chefe de sua esposa, o qual, no passado, dava caronas a ela todos os dias.
Passado a crise e a infância dos filhos, decidiu então se especializar. Fez um curso de técnico fiscal na IOB. Dorival promoveu-a a analista fiscal. Para Rose, os caminhos profissionais estavam abertos. Analista fiscal da Braspolas, curso da IOB no currículum vitae e salário 40% maior, o que garantia o sustento da família, já que Adailton estava desempregado naquela época.
Estabilidade da moeda, do emprego e da família, Rose não tinha a ínfima noção do que estaria por vir. A crise econômica dos tigres asiáticos em 1997 foi implacável! A Braspolas praticamente quebrou! E novamente o temor, a angústia e a depressão! Corte de funcionários e o corte do emprego de Rose dependia apenas da formalização. Para Rose C. L. Tavares - mais do que o desespero do desemprego por ser arrimo de família – sentia-se amputada.
Rose fez promessa a Nossa senhora Aparecida e a Santa atendeu. A graça veio novamente pelas mãos de Dorival, que quase caiu junto com a estimada amiga e colega de trabalho! Sua influência junto ao sócio fez com que fosse apresentado a Aranha, novo gerente fiscal da Alpha, empresa a qual adquiriu a Braspolas um ano após sua chegada ao Brasil.
Dorival conversou aqui, articulou ali e manteve Rose. Alias, daquele departamento fiscal da antiga Braspolas, restaram apenas os dois. Conforme prometido, Rose subiu de joelhos as escadarias da Igreja. E não poderia ser diferente. A ajuda da Santa foi providencial! Rose faz questão de desfilar com seu crachá da renomada multinacional norte-americana por onde passa.
Com a modernização e a tecnologia dos últimos anos, as atividades de Rose se limitam a “inputar” milhares de notas fiscais no SAP. Uma trilha de sucesso nos moldes da CLT: analista fiscal senior, técnica pela IOB e profissional de uma multinacional. As infindáveis horas de SAP trocadas por horas de salário CLT compensam. O grande plano de vida do “suor honesto até o merecido descanso da aposentadoria” caminha a passos largos para sua concretização.
Segue a risca sua bíblia sagrada, a Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo no trato com os colegas: nunca pode ajudar quando a solicitação passa 1 mm daquilo que contratou com a empresa como função e atividade! Uma mestra em repassar tarefas: “infelizmente não vou poder te ajudar, isso é com Genival do almoxarifado” . .. “isso é com a Paula do DP” . . “fala com a Rosane da contabilidade”. E quando o assunto é com ela, o velho truque da famigerada desculpa: “essa semana não vai dar, estamos em fechamento!”
Entre uma nota e outra cadastrada, sai, pontualmente, a cada hora (8h18, 9h18, 10h18 e etc) para fumar seu tradicional cigarro, o qual a acompanha desde a adolescência. Embora a empresa disponibilize uma área de café expresso, Rose segue a risca sua mania de longa data: porta sua garrafa térmica rosa com uma fita crepe escrita “Rose do fiscal”.
Como todo corporativo, Rosangela.leite@alpha.com pratica suas fofocas, porém em um nível mais baixo daqueles das áreas estratégicas. As conversas versam sempre sobre quem vai cair, quem vai subir e quem é gay. Rose assiste assiduamente a todas as novelas das 8. É a responsável do departamento por encomendar bolo, salgadinhos e docinhos dos aniversariantes de renome das favelas corporativas, tais como Dorival, Aranha, Daltão e Teixeira. Sempre que o faz, encomenda da Dna. Dolores lá da vila.
Sua filha engravidou de seu neto primogênito e o genro era motoboy. Após o nascimento de Joanderson, Rose “mexeu os pauzinhos”: sua filha fazia trufas e ovos da páscoa e ela subia até o 9º, 10º e 11º para vendê-los aos colegas e conhecidos do planejamento estratégico e do market inteligence. Segundo ela denomina, “o pessoal que ganha muito”. Para eles, Rose é o museu da Alpha!
Rose é o orgulho do pessoal da vila, afinal tem um “trampo de responsa na multinacional”. Para a família, um exemplo a ser seguido; para o marido, uma “guerreira”! Para a filha, ela “salva pátria” pois vende seu chocolate para a “playboizada”. Jamais separa-se do crachá, o qual é tratado por ela como a própria identidade.
Conseguiu financiar um carro zero e converteu-se ao evangelismo. A escultura da santinha que a salvou nas mais terríveis horas perdeu espaço em sua mesa lotada de post-it para porta-retratos com recordações dos netos. As paredes da baia que até então servia de quadro para fotos familiares, hoje são repletas de salmos e mensagens do tipo “Deus é fiel!”
E, corriqueiramente no final da tarde, Rosangela C. L. T. encerra mais uma jornada de trabalho. Sua máquina começa a ser desligada às 17h10, pois para ela, isto é uma questão moral: o relógio de ponto deve ser batido às 17h18 e a catraca ultrapassada às 17h20! Se passa antes, sente-se exploradora, quando depois, explorada! E quando noite, Rose já está no aconchego de sua casa sua vida em Guaianases, onde, depois do banho, inicia os preparativos para o próximo dia até que a aposentadoria a separe da Alpha.
Adepta convicta do ditado “Deus ajuda quem cedo madruga”, vem acordando cada vez mais cedo, devido a problemas com longos congestionamentos. Foi-se o tempo em que acordava às 6h18 rumo a Alpha. Hoje, seu galo digital canta não depois das 5h48. Fuma um cigarro, prepara o café, toma banho e lá está Rose com seu saquinho de pão de queijo “10 por 1 real” adquirido no terminal de ônibus de Guaianases.
Rose, 44, é casada, mãe de dois filhos e avó de dois netos, o Joanderson e a Sharliane. Mora apenas com o marido, o corretor de seguros Adailton Tavares, 54. Os filhos se casaram novos.
O perfil Rose do fiscal é o mais comum dos ambientes corporativos, porém o menos percebido, devido sua falta de pompa. Pelo menos 60% dos colaboradores de uma multinacional são como ela. Rose entrou na Braspolas ltda. com apenas 18 anos, com o cargo de aprendiz de assistente.
Durante a carreira, passou pelos mais diversos temores em sua única área de atuação, a fiscal. Para uma legítima CLT, não há nada mais temível do que uma demissão induzida (e nada mais doce que uma acordada). Rose C. Leite Tavares do fiscal agradece todos os dias a Deus e a Dorival, seu chefe, por nunca ter vivenciado semelhante experiência.
Seu objetivo de vida sempre foi a manutenção do emprego a qualquer custo até o merecido descanso da aposentadoria, após 40 anos de “suor honesto”. Suor honesto até a aposentadoria, seu lema! Houve períodos difíceis, é verdade! A abertura de mercado em meados de 1990 foi a primeira turbulência de sua carreira. A Braspolas passou por uma grande crise devido às concorrentes multinacionais ávidas pelo mercado de 140 milhões de Roses em ação. Corte de 60% do departamento do fiscal e 40% da contabilidade.
Rose salvou-se graças a influência de Dorival, seu chefe, padrinho de casamento e amigo de infância de um dos sócios da Braspolas. Adailton enciúma-se descaradamente de Dorival, mas admite que apenas não passou fome graças à bondade do chefe de sua esposa, o qual, no passado, dava caronas a ela todos os dias.
Passado a crise e a infância dos filhos, decidiu então se especializar. Fez um curso de técnico fiscal na IOB. Dorival promoveu-a a analista fiscal. Para Rose, os caminhos profissionais estavam abertos. Analista fiscal da Braspolas, curso da IOB no currículum vitae e salário 40% maior, o que garantia o sustento da família, já que Adailton estava desempregado naquela época.
Estabilidade da moeda, do emprego e da família, Rose não tinha a ínfima noção do que estaria por vir. A crise econômica dos tigres asiáticos em 1997 foi implacável! A Braspolas praticamente quebrou! E novamente o temor, a angústia e a depressão! Corte de funcionários e o corte do emprego de Rose dependia apenas da formalização. Para Rose C. L. Tavares - mais do que o desespero do desemprego por ser arrimo de família – sentia-se amputada.
Rose fez promessa a Nossa senhora Aparecida e a Santa atendeu. A graça veio novamente pelas mãos de Dorival, que quase caiu junto com a estimada amiga e colega de trabalho! Sua influência junto ao sócio fez com que fosse apresentado a Aranha, novo gerente fiscal da Alpha, empresa a qual adquiriu a Braspolas um ano após sua chegada ao Brasil.
Dorival conversou aqui, articulou ali e manteve Rose. Alias, daquele departamento fiscal da antiga Braspolas, restaram apenas os dois. Conforme prometido, Rose subiu de joelhos as escadarias da Igreja. E não poderia ser diferente. A ajuda da Santa foi providencial! Rose faz questão de desfilar com seu crachá da renomada multinacional norte-americana por onde passa.
Com a modernização e a tecnologia dos últimos anos, as atividades de Rose se limitam a “inputar” milhares de notas fiscais no SAP. Uma trilha de sucesso nos moldes da CLT: analista fiscal senior, técnica pela IOB e profissional de uma multinacional. As infindáveis horas de SAP trocadas por horas de salário CLT compensam. O grande plano de vida do “suor honesto até o merecido descanso da aposentadoria” caminha a passos largos para sua concretização.
Segue a risca sua bíblia sagrada, a Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo no trato com os colegas: nunca pode ajudar quando a solicitação passa 1 mm daquilo que contratou com a empresa como função e atividade! Uma mestra em repassar tarefas: “infelizmente não vou poder te ajudar, isso é com Genival do almoxarifado” . .. “isso é com a Paula do DP” . . “fala com a Rosane da contabilidade”. E quando o assunto é com ela, o velho truque da famigerada desculpa: “essa semana não vai dar, estamos em fechamento!”
Entre uma nota e outra cadastrada, sai, pontualmente, a cada hora (8h18, 9h18, 10h18 e etc) para fumar seu tradicional cigarro, o qual a acompanha desde a adolescência. Embora a empresa disponibilize uma área de café expresso, Rose segue a risca sua mania de longa data: porta sua garrafa térmica rosa com uma fita crepe escrita “Rose do fiscal”.
Como todo corporativo, Rosangela.leite@alpha.com pratica suas fofocas, porém em um nível mais baixo daqueles das áreas estratégicas. As conversas versam sempre sobre quem vai cair, quem vai subir e quem é gay. Rose assiste assiduamente a todas as novelas das 8. É a responsável do departamento por encomendar bolo, salgadinhos e docinhos dos aniversariantes de renome das favelas corporativas, tais como Dorival, Aranha, Daltão e Teixeira. Sempre que o faz, encomenda da Dna. Dolores lá da vila.
Sua filha engravidou de seu neto primogênito e o genro era motoboy. Após o nascimento de Joanderson, Rose “mexeu os pauzinhos”: sua filha fazia trufas e ovos da páscoa e ela subia até o 9º, 10º e 11º para vendê-los aos colegas e conhecidos do planejamento estratégico e do market inteligence. Segundo ela denomina, “o pessoal que ganha muito”. Para eles, Rose é o museu da Alpha!
Rose é o orgulho do pessoal da vila, afinal tem um “trampo de responsa na multinacional”. Para a família, um exemplo a ser seguido; para o marido, uma “guerreira”! Para a filha, ela “salva pátria” pois vende seu chocolate para a “playboizada”. Jamais separa-se do crachá, o qual é tratado por ela como a própria identidade.
Conseguiu financiar um carro zero e converteu-se ao evangelismo. A escultura da santinha que a salvou nas mais terríveis horas perdeu espaço em sua mesa lotada de post-it para porta-retratos com recordações dos netos. As paredes da baia que até então servia de quadro para fotos familiares, hoje são repletas de salmos e mensagens do tipo “Deus é fiel!”
E, corriqueiramente no final da tarde, Rosangela C. L. T. encerra mais uma jornada de trabalho. Sua máquina começa a ser desligada às 17h10, pois para ela, isto é uma questão moral: o relógio de ponto deve ser batido às 17h18 e a catraca ultrapassada às 17h20! Se passa antes, sente-se exploradora, quando depois, explorada! E quando noite, Rose já está no aconchego de sua casa sua vida em Guaianases, onde, depois do banho, inicia os preparativos para o próximo dia até que a aposentadoria a separe da Alpha.
Um comentário:
Demais... lembrei da Ana do fiscal, lá da minha empresa.
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