A corporação é um excelente exemplo de como criar e incentivar a diferença social. Comumente, o cargo e a pessoa se confundem. Ou você acha que o gerente sênior consegue admitir que você, estagiário de administração de vendas (praticamente um rato na pirâmide), conhece Paris melhor do que ele? Não seja ingênuo...
Os exemplos são infinitos. Tentaremos ilustrar aqui um dia comum, com toda a sua esfera de preconceito.
Chegando ao portão da empresa, já logo se depara com aquele estacionamento gigantesco para 500 carros onde pouco mais de 300 vagas são ocupadas. Conseguir uma vaga dentro da empresa é como conseguir uma vaga no Céu. Mas Deus, nesse caso, é Luciana Hauber, a menininha do RH, que faz de tudo para deixar o maior número de pessoas de fora desse oásis. E por que isso? Simples: vice-presidentes, diretores, gerentes e coordenadores não podem ter seus belos Corollas, Tucsons e Vectras misturados com Pálios, Gols, KAs, Unos... Ainda no estacionamento, reparem como as vagas são organizadas: diretores têm vagas cobertas a menos de 20m da porta de entrada; gerentes, as próximas vagas e, lá no final, as vagas dos coordenadores. E o resto? Ah, o resto pára em qualquer lugar! Por conta da empresa? Não, não! A lei é clara: esse benefício não é obrigatório!
Na hora do almoço, a diferença se faz clara novamente. Diretores e gerentes sênior não ganham ticket; ganham o famoso cartão corporativo. Com ele podem conhecer lugares que nuuuuuunca teriam condições de ir como “PF”. E a qualidade do almoço vai crescendo como um gráfico, dia após dia da semana. É segunda no Ráscal, terça no Barbacoa, quarta é dia Fogo de Chão, Quinta vão no Gero e sexta fecham com Figueira Rubayat! Quanto luxo! Quanto desperdício!
No próximo degrau da escadinha corporativa, estão os demais gerentes. Em algumas empresas, seus vouchers diários para refeição (o famoso “Tique”, para os peões) são uns 30% maior que o do resto dos funcionários. Isso permite a eles irem ao melhores restaurantes, com extravagâncias periódicas. Mas o que chama a atenção neles é o horário que saem para almoçar. Reparem: nunca saem ao meio-dia! É, no mínimo, 12h50! Afinal, vai que eles encontram o estagiário no mesmo restaurante, né?
No próximo nível estão os meus preferidos: coordenadores e analistas-sênior. Esses são demais! São aqueles que querem ser, mas não são (quase) nada na empresa. Mas como querem ser, copiam os que são. Apesar de terem que bater cartão, o que exige que sua chegada seja entre 8h e 8h30, eles não saem ao meio-dia tampouco. Estão caindo de fome, mas meio-dia é horário de chão de fábrica, de proletário, de baixo escalão. Eles acham que não são nada disso! Saem 12h50, ganham o ticket normal da companhia, mas vão a restaurantes “de gerente” todo dia. Resultado: é dia 15 e não têm mais do que R$ 30 nos seus Smart VR.
Vou pular agora os demais profissionais do meio da pirâmide (porque não tem graça) e vou para os lá de baixo! Ah, o pessoal de adm de vendas, TI, produção... Eles não ganham nem ticket! E tem que bater cartão até na hora do almoço! Resultado: é marmita na copa, brother! E ao meio-dia! É marmita e Coca 2L!
Assim é que se almoça nessa torre de babel corporativa! E eu sempre me pergunto: porque uns podem almoçar melhor do que outros? Salários diferentes, dá para entender. Benefícios diferentes, também! Mas... ticket!?!?!?!?!? Não é um pouco estranho dizer que esse tem que comer melhor do que aquele? Que este estômago é mais nobre do que aquele? Não sei se estou viajando, mas, isso, eu não compreendo...
E a diferença não pára aí não! Uns têm ar-condicionado no local de trabalho, outros não. Uns podem tirar uns dias, outros não. Uns batem cartão, outros não.
E ainda temos que agüentar a tal da Responsabilidade Social empresarial... Dizendo que fazem bem para a sociedade em que estão inseridas, blábláblá. Mas não cuidam nem da diferença social dentro de suas próprias micro-sociedades... Quanta hipocrisia.
quarta-feira, 4 de março de 2009
Estimulando a diferença social
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2 comentários:
Já trabalhei em uma empresa onde, atualmente, a maioria dos funcionários (atendentes de telemarketing, claro) recebem R$140 mensais de tiquete (isso mesmo, e tem que dar para o mês todo), enquanto para outros cargos (gerentes, analistas) este valor gira em torno de R$700. E a empresa se orgulha de fornecer os R$140, é um "benefício" divulgado aos quatro cantos pela organização. Dá para almoçar todo dia? Ou então, quantos itens esse valor compra no supermercado, ainda mais agora que tudo subiu, graças ao "aumento" do salário mínimo? Injustiça pouca é bobagem...
P.S.: já estava com saudades dos posts aqui. Escrevam mais!!!
Não sei não, mas lembra o lugar onde eu trabalho...que coincidência.
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