terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

HAPPY HOUR

Logo que adentra em uma grande empresa, o funcionário passa por uma série de atividades recreativas denominadas integração (ganhará uma postagem). Porém, a grande chance do cidadão se entrosar de fato com o restante do povinho é nos Happy Hour, vulgo HH. Não só para entrosamento, mas também para diversas outras finalidades o evento serve. Alguns lá vão para lamentar seus infortúnios; outros vão para comemorar suas ascensões; alguns, para despedir-se; muitos vão para fofocar; muitos, mas muitos mesmo vão para maldizer. Porém quase ninguém vai para se divertir.
Conforme já citado em textos anteriores: em empresas “there´s no free lunch”. Dizer que pessoas se divertem em empresa beira a ingenuidade. E seria inocente demais prever um happy hour sem maldades. Desta forma não teria quorum! Um gerente de médio porte não perderia seu tempo num Happy Hour caso não houvesse bons babados.
No dia em que Teixeira caiu, não havia mais mesas no bar, tamanha a quantidade de fofoqueiros das baias que foram ao happy hour, propositalmente agendado para falar sobre o assunto.
Logicamente que ninguém deixou claro isso - Lembremos sempre: empresas são meras representações, teatros. Quando a secretária Cris ouviu no café que Teixeira havia sido demitido, já combinou instantaneamente um HH, com o intuito de “comemorar o fechamento do mês” – ela é uma pessoa muito gozada - diríamos, uma arlequim.
Cris é a palhaça que saiu do circo só para vê-lo pegando fogo de camarim. Afinal, lembremos sempre: as corporações são grandes circos e os palhaços, os colaboradores (ou seja, você - parto do pressuposto, que não chegas nem perto de ser acionista desta empresa bilionária), uma vez que ficam confinados nessas baias 14 horas por dia, fazendo gracejos para cair na graça daqueles de níveis hierárquicos suepriores.
Enfim, é perfeitamente coerente alegarmos que o “HH” é uma maneira que os palhaços encontraram para assistir o circo pegando fogo. E bota álcool neste fogo! os HH são invariavelmente regados a chopp, caipirinhas e, dependendo dos níveis hierarquicos, muito uísque. Os palhaços menos espertos se alcoolizam bastante e acabam falando demais, consequentemente incendiando deveras o circo. No entanto, esquecem que amanhã pela manhã voltarão a se apresentar (trabalhar) no mesmo picadeiro, o que é bastante perigoso devido às suas línguas deveras compridas.
Os palhaços mais espertos fingem beber, assim, ouvem o que os menos têm a confessar. Sabendo disso, os palhaços mais experientes pressionam todos a beberem bastante. A Cris até pediu mais um chopp para Mário César; ela disse que este seria por conta dela, pois o Mário César estava bebendo pouco hoje (entenda: bebendo pouco, se abrindo pouco).
Aranha - gerente do fiscal - é palhaço de décadas; pede ao todo - durante três horas - apenas uma dose de uísque, porém seu copo parece sempre transbordando, afinal sempre coloca pedrinhas de gelo a mais (rouba dos baldes de cerveja dos palhaços pinguços) para continuar derretendo e enchendo seu copo. Isso lhe permite ouvir todas as fofocas, sem contar sequer alguma.
Ele fica enrolando a conversa com frases de efeito e “pseudo-informações”. Apenas "joga" o assunto no ar e a continuação fica a encargo dos palhaços bêbados. Por exemplo, o caso Teixeira (vide capítulos anteriores). Aranha apenas comentou: “E o Teixeira hein. . .”.No auge de sua ingenuidade e empolgação corporativa, o estagiário Leandro Leal soltou: “ mas também, o cara tirou um barato da roupa do Pedrinho (amigo do diretor). .só podia dar nisso”. O motivo da demissão de Teixeira foi realmente este, mas a justificativa oficial foi que ele roubava caixas de caneta. O problema é que a verdadeira, só Leal e mais duas ou três pessoas sabiam.
Leandro Leal mordeu a língua e agora você entende onde reside a senhora sacanagem. Senhora esta que acompanha veementemente os olhares e dizeres de Adalto Maia - o Daltão, gerente de D.P. – quando se dirigiu de forma insinuante e maliciosa à Rebeca durante todo o HH. Ele estava bêbado, ela deu corda de propósito e todo mundo percebeu o clima. Ele é casado, ela recém-adolescente, ele levou ela para casa e a “merda” foi feita.
Nesta nossa analogia de “circo pegando fogo”, o Daltão “Arrelia” pegou um pouco de fogo do circo, atirou sobre o próprio corpo e depois regou com caipirinha, cerveja e uísque. Se queimou totalmente e Cris foi implacável: logo que Daltão saiu do bar acompanhada de Rebeca, ela teve o cuidado de convocar todos da mesa para o happy hour da semana que vem. Se Daltão “descabelou o palhaço”, não sabemos. O que importa é: os “pombinhos” certamente serão o assunto do próximo happy hour.
Alguns palhaços preferem conversar sobre o contexto econômico e financeiro da empresa e do mercado no qual está inserida. Porém, não sejamos aqui ingênuos! Ninguém está preocupado com a situação e tampouco com o futuro da Alpha. Eles querem mesmo holofotes: demonstrar conteúdo, conhecimento e influência (acesso a informações). Querem ser vistos!
Não menos circenses são os HH realizados com o intuito de celebrar algo. Palhaços na mesa e muita caipirinha, inveja, petiscos, cobiça, cerveja e maldade circulando pela mesa. Renato foi transferido para a filial da Alemanha e Cris achou pertinente fazer um grande Happy-hour. O bar da esquina - onde são realizados quase todos HH – estava praticamente todo ocupado pelo pessoal da Alpha.
Todos queriam detalhes de sua saída e, logicamente, venerá-lo, afinal qualquer pessoa que parte para o exterior torna-se celebridade, pelo menos nos momentos que antecedem o fato, dado a síndrome de cidadãos do mundo que os palhaços carregam. Sem contar que o verdadeiro intuito de quase todos presentes é arrumar alguma “boquinha” internacional junto a Renato, então passam a tratá-lo como um rei e como nunca !
Como vai? Como vai? Como vai? Tudo bem, tudo bem, tudo bem ! Os palhaços estão em festa, pois hoje será celebrado o aniversário do diretor de marketing. Lembre-se, diretores são os Deuses corporativos (vide texto “aniversário do diretor”) – então é Natal ! Ele é diretor e de marketing ! Na nossa analogia seria o mesmo dizer que hoje é aniversário de Chaplin. O happy hour foi celebrado em um outro bar maior. Do estagiário ao diretor financeiro, todos apareceram mesmo que para “dar apenas um abraço” (entenda: apenas para ser bem lembrado no juízo final).
Confesso ficar um pouco assustado quando vejo as pessoas saindo de sua naturalidade e personalidade para venerar uma pessoa qualquer. Toda vez que presencio cenas como a secretária Cris abraçando (quase chorando) calorosamente o Diretor de Marketing, sinto-me cada vez mais próximo da conclusão de que as empresas são verdadeiras arquitetas de lavagem cerebral em massa. Estou estudando mais profundamente esta disfunção psiconeurótica do povinho da empresa e acho, no mínimo, estarrecedor o fato de um ser humano qualquer se tornar Deus de outro em menos de dois meses, apenas por causa de seu cargo, considerando que demoramos pelo menos 10 anos de nossas vidas para reconhecermos o próprio Deus de nossas religiões como o nosso.
Sei bem que vocês irão contra-argumentar dizendo que empresas são novelas, encenações e teatros, mas a imagem dos olhos brilhando dos gerentes apenas de ter a ilustre presença do diretor na mesma mesa de bar onde eles compartilham suas desgraças, me faz acreditar que isto é muito mais do que negócio, ou jogo de cenas: há sentimento sim! É a emoção de pelo menos alguma vez estar lado a lado e de forma descontraída com alguém de cargo tão superior, importante e nunca presente, pois supostamente está sempre envolvido em questões corporativas de alçadas maiores e internacionais. Para quem nunca trabalhou em grandes corporações pode parecer bizarro (e de fato é), mas só um corporativo de carteirinha – ou melhor, de “crachazinho” – pode definir a “glória” de ter o diretor sentado na mesma mesa do bar.
Pimpão, carequinha, bozo, todos mais uma vez a postos na mesa do HH. Seja para lamentar, comemorar, mal dizer, despedir, todos lá vão com um propósito. Jamais com o verdadeiro intuito da integração, o que de fato pressupõe. Lembro que há alguns anos atrás no começo de minha carreira, comentei com meu supervisor que naquele dia deveríamos “tomar umas” (apelido vulgar do happy hour) depois do expediente, pois era sexta-feira. Ele olhou para mim, para os lados e comentou baixinho: “por que? O que aconteceu? Vamos conversar lá no café?” Eu não havia entendido muito bem, mas hoje posso perceber que foi muito ingênuo da minha parte querer convidar a galera da empresa para sentar na mesa do bar e falar de futebol, mulheres, fatos cotidianos e afins. Afinal, os palhaços são, antes de tudo profissionais, e como manda o novo e demasiado vulgar ditado que hoje circula as baias: “eles estão na pista a negócio”.

Um comentário:

Ed disse...

Fantástico o post.
E gerentes que choram ao deixar a equipe? Como explicar? E isso aconteceu; ela chorou de verdade :-|