sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Corporativos, os cidadãos do mundo

Entre as diversas disfunções do povinho corporativo, estive a refletir estes dias, quais mais me incomodam. Não cheguei a uma conclusão plausível, visto que a gama é grande e todas elas proporcionam muito incomodo. Mas desculpem: a síndrome de globalização do povinho multinacional é uma grande concorrente.
Parece que alguém, quando adentra em uma multinacional modifica automaticamente sua nacionalidade. Já que entrou na Alpha, ele é alphaneano! As catracas são como alfândegas que separam o Brasil deste país sem fronteiras, barreiras e “multi-nações”.
E não poderia ser diferente: há uma pressão psicológica enorme em fazer com que o povinho das baias pense estar, no mesmo dia, em Buenos Aires, Bloogminton e Frankfurt.
Fernando precisa cobrar a Argentina, para poder fechar os números da América latina e centralizar em Frankfurt, de onde será enviado o consolidado para Bloogmiton. Estejam certos, Fernando vai para todos estes lugares com a planilha! Ele sente até um pequeno prazer quando, por exemplo, os argentinos atrasam um pouquinho. Assim ele pode comentar com a sua colega de baia que “a Argentina está demorando para fechar”.
E ele vai mesmo, pois suas asas imaginativas já estão no aeroporto de Buenos Aires aguardando o vôo para Frankfurt. E enquanto aguarda a planilha, vai tomar um café e encontra aquele nosso co-supervisor da controladoria dizendo que as perspectivas da Ásia e Oceania não são boas para este ano. Um jamais saiu do Brasil e o outro, no máximo, viajou para Punta de Leste no verão do ano passado, mas quando ultrapassam as alfândegas das catracas da Alpha, podem estar em Tóquio, Atlanta, Londres, Milão, Paris e etc . .tudo no mesmo dia! E se tornam arrogantes por isso !
E não poderia ser diferente, já que, nas baias, a língua oficial é o corporatês e esta guarda laços profundos com o business english, o que isoladamente, confere aquele ar internacional de Duty free shop (um “pedacinho” de exterior dentro do Brasil). Um bando de descendentes nativos tropicais miscigenados com portugueses, italianos, japoneses, arrogantes e orgulhosos apenas de respirar ares longínquos provindos da Europa e dos EUA.
Restam dúvidas se o termo correto é piedade, porém, no mínimo, é lamentável como o fator “internacionalização dos povos” segrega nas multinacionais. Sob o falso pretexto da seleção de pessoas diferenciadas por ter tido contato com outras culturas, a segregação começa na própria entrevista. Perceba pela expressão facial de Luciana Hauber (aquela recrutadora de talentos que cansou de fornicar em Londres, quando foi viajar sob o pretexto de aperfeiçoar o inglês): logo que Jeferson confessou na entrevista jamais ter saído do Brasil, Srta. Hauber nem olhou para cara dele e já mudou rapidamente de assunto; Fernando citou ter ido à Punta de Leste no verão passado, “para conhecer um pouquinho mais da América Latina”;Luciana Hauber torceu o nariz. Mari relatou sua viagem à Disney quando tinha 12 anos e teve como resposta o ar indiferente de Hauber, pois esta não se compara a experiência internacional de ter “morado” em Londres; Aquele Junior analyst que trabalhou dois anos nos EUA ganhou a simpatia dela, pois ambos já tiveram vínculos no exterior. Não são mais brasileiros, mas sim corporativos cidadãos do mundo. Houve grande compatibilidade de idéias quando o estagiário Leandro Leal contou ter realizado um mochilão de um mês pela Europa. Assim, eles puderam perder 20 minutos da entrevista, viajando pelas suas aventuras, tais como aquele Hostel em Amsterdã (ambos mantém aquele falso moralismo fingindo esconder que se mataram de fumar maconha, com aquelas risadinhas insinuantes) ou o inverno em Praga (viagens para o leste europeu ganham cinco pontos, pois significa a famosa busca pelo desconhecido, o perfil aventureiro-empreendedor - quem acha que Praga é uma aventura empreendedora, aconselho passear pela favela Heliópolis). Mas enfim, estamos na Alpha e não no Brasil.
Porém o surto da inveja, cobiça e sentimento de inferioridade, foi quando Renato – em sua entrevista para trainee internacional – alegou brevemente e sem muito alarde ter feito pós-graduação em Chicago e graduação em Londres. Qualquer questionamento da parte dela seria provinciano demais. Despejou então profundo ar de despeito, pois imagine ela desenvolver uma entrevista em inglês com perguntas do tipo “qual é seu hobby” para alguém com essa bagagem.
Quando sou abordado em uma entrevista com um “can we continous our conversation in English?”, entendo perfeitamente que devo ser avaliado se de fato tenho domínio em língua estrangeira, mas não consigo calar o anjo mal no canto esquerdo de minha mente dizendo que Luciana está querendo realmente brindar a nossa cidadania mundial.
E estou chegando a conclusão que ele tem razão! Afinal, pensando bem, a grande maioria dos aspirantes a cargos em multinacionais estão sendo testados com perguntas sobre seus hobbies, para que Luciana possa avaliar se estão aptos a manter uma conversa de 30 segundos com o fulano de Bloomington (vulgo “contato com filiais internacionais”), perguntando se ele recebeu ou não a planilha enviada.
Já o teste escrito é mais engraçado (ou desgraçado) ainda. Confesso sentir certa nausea daqueles milhares de textos com infinitas perguntas entediantes sobre interpretação e vocabulários dos testes on-line (os quais são invariavelmente feitos a poucas horas de encerrar o prazo limite para realização, sem contar que fulano deixa aberto duas janelas de auxílio, uma do Google e a outra com um dicionário inglês-português), os quais guardam o objetivo de avaliarem se o candidato tem plenas condições de enviar um e-mail do tipo “ dear . . ., please find attached . . . . Please let me know if you have any question . . .best regards, Da Silva de Oliveira, Maintenance service coordinator, +55 11 ..
Para concluir de forma arrebatadora, não poderíamos esquecer daqueles que viajam “a negócios” tal como Mário César, o ex help-desk, que foi a Bloomington e depois passou a sentir-se o Deus do Olimpo, Homem multinacional (o pessoal da informática colou um pôster dele na sala, pois isto foi uma vitória para o departamento) – vide capítulo "a primeira viagem internacional de Mário César".
O fator “pessoas multi-culturais”é realmente diferenciador e o que de fato deveria conferir a empresa diversidade de pensamentos e experiências, trás - na verdade – vaidades injustificáveis que muitas vezes são vistas pelos próprios estrangeiros de forma jocosa e hilariante, pois é inconcebível para um francês, por exemplo, comportamentos de desprezo à cultura de seu país em detrimento à da multinacional onde se trabalha. Teria razão ou não Cazuza quando cita que brasileiros burgueses são caboclos querendo ser ingleses?

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