domingo, 4 de setembro de 2011

Reunião

Luis Fernando Veríssimo, grande escritor disse certa vez: “se você tivesse que identificar, em uma única palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu todo o seu potencial, esta palavra seria “reunião”. Vou lhe mostrar, caro leitor, que o nobre Veríssimo estava errado, e que reuniões são importantíssimas para o sucesso de uma organização. E vou mais além, vou lhe dar as dicas para fazer uma reunião perfeita.

A preparação. Tudo começa pela preparação da reunião. Reserve a maior sala da empresa e peça para a assistente do diretor providenciar pães de queijo. Reforce que os pães de queijo devem ser entregues no máximo 5 minutos antes do horário de início da reunião, de modo a garantir que eles estejam bem quentinhos.

A Convocação. Seja extremamente criterioso ao convocar os participantes da reunião. Os gerentes chamados de “pica-grossa” reparam muito nas pessoas presentes na lista de convocação, antes de confirmar presença. Certifique-se de que convocou todos os diretores e não incluiu nenhum analista jr. por engano. Depois de disparar o email de convocação da reunião, você pode chamar aquele jovem talento, com cargo inferior aos demais participantes (sempre em off). Isso vai garantir ao jovem uma injeção de motivação extra por 2 meses na empresa, uma vez que se sentirá privilegiado por ser o único jr. na reunião.

Tempo. Reserve no Outlook, pelo menos 2 horas como tempo de duração da reunião. Isso vai mostrar a todos que você tem algo muito importante para dividir e que você precisa que cada um contribua com toda sua experiência e visão macro do negócio. E ainda vai impedir que eles agendem coisas na sequência, já que você vai bloquear seus horários.

Material. Todos devem chegar com seus caderninhos abraçados no abdômen e suas canetas à mão, para o caso de ter algo muito importante para se anotar. Mesmo que não tenha nada importante para anotar, anote.

Postura. Encoste na cadeira, e tente envergar sua postura para trás o máximo possível. Em seguida, cruze as pernas deixando a direita paralela ao solo, braço direito paralelo à perna, encostado no abdômen, servindo de base para o esquerdo que vai estar com o cotovelo apoiado nas costas da mão, de maneira que sua mão esquerda fique segurando seu queixo. Resumindo, posição de “fodão”.

Participação. Sempre fale. Mesmo que seja apenas para repetir o que o outro já falou. Neste caso, comece com a expressão “apenas para frisar, concordo com o Almeida”. Isso elimina a possibilidade de te verem como chupim.

Dica do titio. De tempos em tempos, abra seu notebook, e estique ele o mais afastado do seu corpo possível para que os outros possam ver o que está fazendo e não faça nada. Apenas digite cálculos aleatórios no Excel. Podem ser cálculos do tipo: “53x14=742”, “742/35=20,6111111”. O único intuito disso é para que pensem que você é um cara orientado para resultados e que está pensando além dos demais, como aquele grande mestre de xadrez que antevê 12 jogadas, com a diferença de que você não está antevendo porra nenhuma.

Desfecho. Se foi você que organizou essa reunião, faça de tudo para que ela dure o máximo possível. Caso perceba que as pessoas estão começando a ficar desinteressadas, peça a participação delas, como aquele professor de colégio que usa desse artifício para não deixar os alunos dormirem, sabe?

Agindo dessa maneira, tenho certeza de que você será promovido. Agora, pensando bem, concordo com você, caro Veríssimo. Se eu tivesse que identificar, em uma única palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu todo o seu potencial, esta palavra seria “reunião”.

sábado, 23 de abril de 2011

CORPORATÊS - AULA FINAL

Na medida em que estamos concluindo a primeira parte de nosso blog, não há nada mais justo, necessário e oportuno do que finalizar o curso nível básico de corporatês. Nesta aula final, não haverá separação entre o business english e as expressões locais; desta vez falaremos de todos os termos juntos em uma aula do tipo telecurso segundo grau 5h30 da manhã (corporativos consideram bizarros tais programas; apenas assistem quando passam a noite em claro esperando a comida do dia seguinte no primeiro horário).
Na primeira aula, já havíamos passeado superficialmente pela síndrome sádico-anal corporativa. Desta vez colocarei o dedo com mais profundidade no tema. Após dois anos ausente do mundo corporativo, resolvi dedicar quatro horas deste último sábado à análise do tema: “por que os corporativos tomam comidas de rabo?”
Meu propósito foi complexo, porém atingi algumas interessantes conclusões; A expressão transcende o sentido mais óbvio, o qual, supostamente, traduziria a dor de ser cobrado e indagado pelo chefinho de forma moral, imoral e amoral! Há um prazer inconsciente! E pasmem: no universo corporativo, esta expressão não é caracterizadamente sádica; ela é verdadeiramente masoquista. Pensem bem! Corporativos contam muito mais histórias em que tomaram comidas, em relação àquelas em que “comeram o toco” do fulano.
Quando o chefinho – vulgo superior direto – está furioso, o corporativo sempre diz: “putz, tomei uma comida daquelas”. Quando é dele a vez da fúria contra terceiros subordinados, então diz:“chamei fulano na minha sala”. Isto ainda desconsiderando as estórias em 3ª pessoa. Um tal de comida de um, “enrabada de outro”! O fato é: muitas pessoas apreciam e se identificam com comidas de rabo nas empresas. Se o sentido fosse literal, certamente, muitos corporativos já estariam usando fraldas geriátricas! Uma análise final me aponta que isto ocorre devido ao inconsciente prazer pela submissão ao poder corporativo! Entretanto, encerro aqui minhas análises e remeto a Freud a continuação do debate. Porém, deixo minha final conclusão: corporativos gostam mesmo de dar o . . .”feedback”!
Lembro ainda a primeira vez em que ouvi o termo feedback! O episódio ocorreu em uma aula de biologia do 3º colegial, quando estudávamos o sistema endócrino humano. Intimamente, sempre considerei a sonoridade do termo um tanto quanto engraçada. Anos mais tarde, Luciana Hauber disse que eu teria um feedback da entrevista na outra semana, tanto positivo quanto negativo.
Na biologia, o feedback negativo está ligado à regulação da secreção de hormônios; No mundo corporativo, à rejeição! Rigorosamente tudo no mundo corporativo inicia e finda com um feedback. Guardo algumas dúvidas se a sonoridade da palavra causa certo conforto corporativo ou o simples fato de pertencer a classe gramatical do business english proporciona algum bem-estar. O fato é que o termo é detentor de gigantesca popularidade nos antros corporativos. Pessoas dão, recebem e aguardam feedback sempre.
Recorrendo novamente aos auxílios da psicologia, acredito que esta dependência do feedback está associada ao universo de máscaras das empresas. Por estarem sempre alienados, corporativos estão muito mais preocupados com opiniões e veredictos de terceiros do que em formar opiniões próprias. Corporativos são, em geral, carentes e dependem sempre de feedback positivos.
É verdade que a escalada de sucesso na vida corporativa está atrelada a uma sucessão de feedback positivos! No entanto, corporativos esquecem que o principal feedback é o próprio, o íntimo. E assim atravessam noites de insônia e agonia, esperando o julgamento final famigeradamente denominado feedback.
Agonia e insônia mesmo, sempre quando o deadline é na primeira hora do dia seguinte. E não há nada mais apropriado do que o termo oriundo do business english deadline. O não cumprimento de obrigações formais no prazo em multinacionais merece a morte! Mesmo que a atividade sido executada de forma esdrúxula e as obrigações não formais e intrínsecas - tais como “não dar marteladas”- não tenham sido cumpridas.
E então o significado prático do termo passa a equivaler àqueles tipos de partidas decisivas de futebol em que o time precisa atingir o resultado nos minutos finais. Paulinho sempre diz que em meia-hora o final report já estará na caixa de e-mail do chefinho; Fernando não responde e-mails, não atende pessoas e ignora piadas sempre aos 45 minutos do segundo tempo da deadline. Xingamentos à sua mãe em alto e brado som são permitidos – para os corporativos, o deadline vale mais que o deadmother!
Ana Fernanda da controladoria - em meio ao seu surto de stress psicótico dos minutos finais antes linha da morte (vulgo deadline) da consolidação do closing – inicia uma série infindável de marteladas de origem nervosas até que o esperado (e não necessariamente verdadeiro) número apareça – equivale ao gol. Closing trimestral: deadline delegado diretamente de Bloomington; O número deve estar na caixa de e-mail de Mr. Simpson ASAP, no mais tardar (para os tartarugas), on time!
O deadline está muito mais atrelado às nuances de poder corporativo, do que à eficiência, rapidez, qualidade, como supostamente deveria e parece ser. Respeitar o prazo, abrindo mão de reports precisos, detalhados e mais úteis soa como um voto crédulo e respeitoso às normas e hierarquias, mesmo que isto custe em resultados menos benéficos. E então, inconscientemente na mente do corporativo, mais vale um número qualquer reportado na hora certa, do que um número certo reportado em uma hora qualquer.
Nem tanto à disciplina, nem tanto ao perfeccionismo! Não faço aqui qualquer campanha a favor da anarquia corporativa ou ausência de prazos. Disciplina com relação ao tempo é necessária, desde que esta não vire um jogo de batata quente – ou seja repasse rapidamente antes de queimar-se, coibindo o trabalho qualitativamente rico. Nas empresas, a atitude ganha o apelido de “dar marteladas.”
Não vou esconder: demorei pelo menos um ano de meu primeiro estágio para entender o que significava o tão proferido e companheiro jargão “martelada”, famoso nos períodos de fechamento. Não sei se chamo este período de desconhecimento das marteladas de ano da inocência, da honestidade ou da bobeira; apenas recordo-me que enquanto todos falavam em dar marteladas, a controller passava pelo departamento para mencionar que não queria saber de marteladas!
Até que o mundo corporativo, reconhecido pelo pró-dinamismo (mesmo que isto infrinja valores como a honestidade), corrompeu-me pela primeira vez. O chefinho dirigiu-se a mim e logo ordenou: “dá uma martelada rapidinho para fazer bater manda para a Helena (controller) com cópia para mim”. Retornando ao início do texto: qualquer erro do estagiário e a trolha da martelada entraria no meu. . .histórico.
A função “atingir meta” do Excel ajudou-me, mas tornou-me uma pessoa acostumada e tarimbada em transgredir valores em nome do “fazer acontecer rapidamente” corporativo. Assim como todos corporativos são convidados a fazer! Peço desde já desculpas ao meu ultra-radicalismo de atitudes “corporofóbicas” e tenho consciência do quão forte é o que vou redigir agora, mas não vou me deter: o príncipio de martelar um número no relatório é o mesmo de forjar algo ou enganar alguém sobre as posses que não são suas. Ou seja, o 171 corporativo, internacional e glamoroso!
E fechando a classe dialética do corporatês da neurose conhecida como pressão por prazos, colocamos o mandamento nº 0 de qualquer ambiente corporativo: tudo é urgente e deve ser entregue sem delay, ASAP e se não for hoje, que seja amanhã no primeiro horário!
Entre as inúmeras teses que pretendo defender sobre o mundo corporativo, tenho uma a respeito da amaldiçoada palavra “urgente” no final de 95% dos e-mails enviados em uma empresa: a palavra urgente é um dos principais fatores para o aumento do nível de stress, nervosismo, hipertensão, suicídio, esquizofrenia, adrenalina e etc. Concordo a respeito da urgência em diversos assuntos, mas não entendo porque a analista Mari considera tudo que solicita urgente. Certa vez, recebi dela um e-mail convidando o pessoal para o amigo secreto, o qual seria realizado no dia 18 de dezembro. O e-mail datava do dia 1º e constava no final: “aos interessados, favor confirmar com urgência a participação no amigo secreto.”Minutos depois recebi um e-mail do chefinho (mais coerente), solicitando para fazer o backtrade da margem antes de entregar o fechamento.
Dado que eu era estagiário, inexperiente e estava em fase de fechamento do mês de novembro, passei por uma crise de valores sobre o que era mais importante naquele momento. Atender prontamente as solicitações do chefinho ou responder urgentemente e portanto diplomaticamente o e-mail da colega de nível hierárquico superior para não me queimar.
O backtrade era mais importante!O pedido de urgência da analista mari me remeteu a quando era criança e fingia estar doente para não ir a escola. Mamãe acreditava, até quando fiquei de fato! Mamãe entediou-se, não acreditou e mandou-me a escola com 39º de febre.
E então passei a ler os e-mails da Mari até a última letra antes da palavra urgente. E no dia seguinte, nos encontramos no estacionamento. Não me cumprimentou; Apenas me disse: "vc recebeu meu e-mail do amigo secreto? Confirma ele ASAP, vai!?!? "
Pior do que urgente! Pior do que as soon as possible! Pior do que tudo isso junto! A utilização do ASAP aqui em terras tupiniquins é uma das coisas mais bizarras, cafonas e esdrúxulas do planeta corporativo!
How é possível utilizarmos uma abreviação de um termo do business english com so many sinônimos in portuguese no meio de uma conversa informal in the Alpha central parking? Exatamente as mesmas conclusões que você tirou a respeito do que acabo de escrever, tiro quando após um e-mail repleto de erros primários de português, Fabrício redige no final:
“Qualquer dúvida, let me know ASAP!
Regards,”

Fabrício, fuck you!

Fechando definitivamente a classe business english desta primeira parte do blog, temos o homem da cadeira, vulgo chairman. Não fale deste homem em vão! Ele é poderoso, imponente, soberano e supremo. Um simples almoço pouco confortável dele com Dilma Roussef e a filial de Camaçari mandará ao mercado pelo menos mil desempregados.
Do seu quartel general, corporativamente denominado headquarter, o soberano toma decisões e todas elas conjuminam em milhares e milhares de comidas de rabo, marteladas, urgências, ASAP em todo o mundo ALPHA!
A expressão todo o mundo pertence a classe gramatical das megalomanias! Bem sei que a Alpha está em 80 países, mas o mundo corporativo é tão intercultural, a marca é tão difundida e a mania de grandeza tão martelada internamente, que os colaboradores ALPHA estão convencidos a respeito do ranking das marcas mais ouvidas no mundo: 1º Alpha, 3º Jesus Cristo, 4º Beatles, 5º Coca-cola. Não há segundo lugar! Nada se compara à grandeza da Alpha!
Algo é fato: 95% das atividades corporativas de médio e baixo escalão são macaquices. Acho inusitado e até mesmo engraçado quando Rubens do contas a pagar diz que no fiscal, o trabalho é macaquice pura! Entende-se por macaquice a atividade maçante, repetitiva, operacional e que demanda quase nenhum esforço intelectual. Ou seja, quase todas em uma multinacional!
Como Rubens pode subjugar a atividade de Rose do fiscal, se a sua função é processar e controlar as notas a serem pagas contidas no sistema, para que os respectivos pagamentos sejam executados?! E neste pequeno detalhe reside o grande truque do mundo corporativo! O cargo de Rubens na Alpha é A/P general expenses supervisor; A Alpha financia 70% de seu curso de inglês e 50 % da sua graduação; O treasure manager o convida várias vezes para almoçar!
Este show de pompa e glamour faz Rubens esquecer que a atividade dele, em linhas gerais, faz dele não mais que um operador barato de algum sistema ERP! Portanto, um macaco! Opa! Mais respeito, por favor! Afinal, Rubens é supervisor na Alpha e paga mais de 10 milhões todos os dias!
Neste mesmo caminho, proponho uma atividade. Faça um corporativo mais vaidoso ainda: convide-o a jogar na PJ, a conta do happy hour! O corporativo é em geral orgulhoso e arrogante por pensar ser uma espécie de célula da Alpha, detentor dos mesmos poderes que a multinacional onde trabalha! Concedê-lo o poder de utilizar da mesma barganha financeira é algo que desencadeia nele uma empáfia gigante!
E caminhando para o fim desta terceira e última aula, deixaremos o mais famigerado e badalados termo da história do mundo corporativo: "Se queimar"! Algo não quer calar dentro de mim! Os corporativos sentem um prazer inconsciente em ver o companheiro se queimar. Iniciamos nossa aula com uma posição masoquista e agora findamos com o lado sádico dos corporativos! Acho impressionante a frieza e a indiferença, quando algum corporativo relata que fulano está se queimando!
As expressões idiomáticas e as gírias fazem parte da linguagem informal e figurativa e é a forma de expressar o inconsciente coletivo de um agrupamento de pessoas semelhantes (tribo). Pelos jargões do corporatês, consigo perceber pessoas cada vez mais agitadas pressionando e sendo pressionadas com metas em prol da manutenção de um poder corporativo superficialmente fantástico e moderno, no entanto, intimamente alienante e massacrante.

Afinal, não podemos considerar saudável um ambiente onde pessoas são queimadas e tomam comidas de rabo", têm como atividade principal algumas macaquices, dão marteladas e são pressionadas a todo momento pelo preciosismo muitas vezes desnecessário daqueles que cobram urgência na esperança de impor um poder que na verdade não os pertence!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A hipócrita primeira pessoa do plural

Eu, tu, ele, nós, vos, eles! É muito peculiar a forma como o mundo corporativo manipula e explora uma questão semântica tão banal quanto à utilização dos pronomes pessoais em favor da manutenção de imagens e máscaras. E tratando-se de teamwork em terras tropicais da América do Sul, o pronome nós é uma instituição no ambiente corporativo local, tanto quanto nas teorias.
Jamais se começa uma exposição verbal formal sem a primeira pessoa do plural, seja ela uma entrevista, uma reunião ou, até mesmo, em uma rápida conversa no café. De fato, seria um hábito saudável, caso a atitude não fosse tão manipulada e distorcida, sempre conforme a legislação de Gerson, vigente neste país desde a mais remota idade.
Fernando do planejamento estratégico, sempre diz que "NÓS estamos envolvidos em um projeto de 10 milhões de dólares". Disse ainda que "NÓS estamos em uma joint-venture com a Beta, na exploração de um mercado gigantesco." Declarou “in off” no happy-hour, que "NÓS estamos nos preparando para adquirir a joãoson&joãoson!!!" Com ar de imponência, ainda diz que "NÓS faturamos 1 bi este trimestre!"
Fico admirado com a nobreza e o senso de coleguismo do colaborador Fernando, assumindo em conjunto as vitórias da Alpha. Sei o quão irrelevante o leitor possa considerar tal fato, bem como o que o mesmo deve pensar a cerca de meus devaneios e minhas implicâncias baratas, entretanto a minha frenética e psicótica perseguição ao corporativo resolveu ser implacável com Fernando.
Percebo que Fernando utiliza sim a terceira pessoa do plural, porém sempre quando sua participação é nula ou tendendo a zero e, simultaneamente, quando verbo + objeto direto seja algo extraordinário e esplendoroso, do tipo “faturamos 1 bi este trimestre”. Provavelmente, sua colaboração no referido faturamento seja menos de 0,001%! Sendo assim neste caso, meus valores, princípios e minha cara que já não é de pau me proibiriam terminantemente de gozar tão descaradamente do mérito.
É possível que os leitores – principalmente os corporativos – estejam estupefatos e revoltados com o meu radicalismo pontiagudo e maldoso, neste momento. Desculpo-me com o leitor corporativo, se isto é como um balde de água fria no refrigério que a suposta participação em um faturamento tão significativo proporciona, uma vez que o fato em si - além de extraordinário – confere um sentido e uma razão para sua vida e existência.
No entanto, não posso perdoar Fernando, uma vez que quando é o principal sujeito na execução de algo fabuloso e extraordinário NÃO utiliza, em hipótese alguma, o pronome NÓS. Sempre menciona que “EU fui responsável pelo projeto x”; “EU consolidei os números em menos de uma semana”, “EU liderei o processo de unificação dos departamentos”, “EU enviei e-mail com cópia para todos os gerentes questionando Mr Homer Simpsons (Homer.simpsons@us.alpha.com) da filial de Dallas (segunda principal da Alpha).”
Perceba que todos estes expedientes não são executados isoladamente e tampouco sem suporte de uma equipe. Tenha certeza de que a execução do projeto x precisou de pelo menos dois estagiários e um analista Junior; A consolidação dos números depende de uma série infindável de reportes interdepartamentais, com muitas pessoas envolvidas, até que o número apareça.
Até mesmo o e-mail para o Homer Simpsons! Fernando é egocêntrico, mas não louco! Certamente, não faria isto a revelia! Provavelmente, havia uma ebulição na filial brasileira contra Mr. Simpsons e um clima favorável para que ele tivesse o respaldo político em questionar alguém da filial de Dallas. Então porque ele não usa o pronome NÓS neste momento, já que contou, em todas ocasiões, com o respaldo de uma equipe? Sinto que o melhor adjetivo não é coleguismo, mas sim, oportunismo! Manipula-se o sujeito de acordo com o fato!
E, então, o perfil de liderança voltado para o teamwork vai por água abaixo. Caso isto ainda não tenha sido assimilado, proponho então uma nova situação. Os verbos+objeto direto de fatos desfavoráveis! Ele jamais se inclui como sujeito, mesmo quando há sua participação direta ou indireta. O pronome NÓS é evitado a qualquer custo. Repare que, segundo Fernando, "O PESSOAL DE SISTEMAS não atualizou as configurações do novo ERP, o que conjuminou nas inconsistências do fechamento!""A EQUIPE DO LACERDA (mesmo departamento do Fernando) não reportou os números três dias antes do deadline, conforme acordado." "CULPA DO FISCAL que sempre enrola com as notas fiscais."
Em casos de insucesso, a fórmula de Fernando é a 3ª pessoa do singular e do plural! Ele jamais está envolvido em algo mal-sucedido! Mesmo quando está! Neste caso, ora omite o fato, ora altera o pronome! Inconsistências no fechamento são responsabilidades dele, pois quem reporta, se responsabiliza pelos números! Não cumprimento de prazo não deixa de ser problema de quem atrasa, mesmo quando há atrasos na cadeia de reportes! A culpa é de NÓS, e não apenas deles!
Sinceramente, não haveria motivos para implicação com os corporativos, se houvesse em todas ocasiões e fatos, espírito de grupo e hombridade coletiva na responsabilização da equipe, tanto nos méritos, quanto nos deméritos, conforme pressupõe as teorias norte-americanas de gestão, os quais de fato são muito efetivas, cabíveis e pertinentes, quando o assunto é formas de se trabalhar em um contexto econômico, corporativo e de mercado cada vez mais dinâmico e competitivo.
Se esquece Fernando, assim como 95% dos corporativos brasileiros que o grande líder tem como principais qualidades a nobreza em assumir derrotas pessoais e o discernimento em conhecer os pontos em que precisa evoluir. Resta dúvida se podemos responsabilizar a cultura corporativa, a qual valoriza ao extremo os sucessos e reprime e condena implacavelmente o insucesso e o fracasso, pressionando os corporativos a assumirem apenas vitórias em seu discurso.
No entanto, algo é inquestionável em qualquer sociedade. Os valores, os princípios e a atitude nobre são as principais bandeiras de luta de um grande homem, mesmo que o uso indevido dos pronomes incomode ou desagrade os ouvidos corporativos de alguém! E então não apenas condeno, mas repudio totalmente Fernando, quando diz estar adquirindo junto com a Alpha a “joãoson&joãoson” ou participando da joint-venture com a Beta. Afinal, se ele exclui totalmente o mérito do grupo quando principal responsável de uma atividade, deve também excluir-se totalmente dos méritos da Alpha, uma vez que sua participação é ínfima.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Finanças do corporativo I: Artur e Tia Franca

Bem sabemos que os corporativos - principalmente aqueles das mais diversas áreas de finance* da empresa – são diretamente focados e alienados pelas finanças corporativas. Sendo assim, normalmente, deixam de tratar suas próprias finanças, delegando tal missão a financiadores oportunistas, bancos e etc.
Ao longo dos anos de caminhada escravocrata corporativa, a reclamação dos colegas corporativos que mais chegou aos meus ouvidos foi seus baixos salários, segundo os quais, estaria aquém do que de fato merece pelo que faz. Francamente, sempre tratei as lamúrias com muita suspeita!
Estes dias, fui jantar com um ex-colega de mundo corporativo. Minha expectativa era de um agradável encontro, durante o qual falaríamos sobre futebol, cortes de carne de churrasco, mulheres, viagens e vida cotidiana; um clima cordial, próprio de uma véspera natalina. Mas para minha decepção, fui tratado, literalmente, como o muro das lamentações. Queixou-se aproximadamente uma hora sobre o seu provento mensal. Segundo ele, mal consegue arcar com suas despesas mensais, as quais ele diz ser “coisa pouca”. Sente-se um pobre coitado ganhando a “mixaria” de pouco mais de 10 salários mínimos. Conforme suas palavras, uma “lamentável injustiça”, dado que outros gestores de escalão maiores ganham aproximadamente 5 ou 6 vezes mais.
O caminho de volta aos meus domínios após o triste jantar foi uma mescla de depressão com reflexão. O retorno da zona sul sentido zona norte (onde resido) tinha como rota o centro da cidade; E quando por lá passei, veio-me instantaneamente a mente a tia Franca. Se no lado sul do trajeto, meu pensamento estava voltado para as lamentações de Artur, o lado norte foi reservado para o bom humor desta minha tia por parte de mãe.
Associação de fatos aqui, outros fatos ali e “voila”! Já chegando aos lados de Santana, tive um estalo. As cervejas do depressivo jantar me propiciaram uma genial conclusão: a tia Franca tem muito a ensinar sobre finanças ao Artur! Por muitas vezes em minha vida, fui acometido por conclusões e pensamentos alucinados, caóticos e surreais. Tinha por costume repudiá-los de forma veemente. . .até quando passei a perceber que sempre após três ou quatro anos eles passam a fazer total sentido. Atualmente, trato meus devaneios com todo carinho do mundo!
Pelas minhas contas, em 2014 (dado que esta conclusão foi obtida semana passada), corporativos como Artur passarão a perceber o quanto eles são inocentes e inexperientes a respeito do dinheiro. Desculpem corporativos, desculpem, por favor. . .eu sei que vocês gerenciam projetos que valem milhões de dólares! Me perdoem . . .não me queimem no mercado! Sei também de vossas habilidades no portfólio management da Latin America Alpha. Aos poderosos corporativos trader, clamo por perdão, afinal, vocês trEIdam muitos milhares de dólares por dia. Ok, não precisam me perdoar! Corporativos não conhecem absolutamente nada de seu próprio dinheiro!
O que verdadeiramente me estimulou a escrever o presente é a saúde financeira da minha tia. Atualmente, ela é aposentada e mora sozinha em um apartamento situado na Avenida São João. Concluiu o ensino médio e trabalhou por aproximadamente duas décadas no Metrô de São Paulo, passando por diversos cargos e funções.
Artur, 27, é solteiro e mora com os pais em pinheiros. Graduado pela faculdade de contabilidade da Universidade de São Paulo e aos 22 foi enviado à França pela Alpha, para que fizesse cursos de especialização. Em seu cartão de visita, inglês, espanhol e francês bem falados, além de um MBA. Está, atualmente, se pós-graduando.
Mas pasmem! A tia Franca é proprietária de dois imóveis adquiridos a vista, enquanto Artur paga com a ajuda dos pais a prestação de seu Sandeiro e de seu apartamento de 3 dormitórios ainda na planta.
Artur está desesperado, afinal, quem financia apartamentos em planta sabe que dezembro é mês daquela “parcela cacetada” que cai como presente de Demóstenes em nossas mãos a cada 12 meses. Já tia Franca tirou uns dias e foi ao centro da cidade para comprar presentes natalinas a sobrinhos e filhos de sobrinhos.
E por falar em lembranças, Artur disse-me ter presenteado a noiva com um belo colar H Stern em novembro. ..mesmo tendo, em seu passivo pessoal, parcelas mensais que já totalizavam 30% de seus proventos. Segundo ele mesmo, 10 alfinetadas de R$ 200,00 a mais são irrisórias perto da felicidade e surpresa da noiva!
Tia Franca não financia, não empresta e apenas teve outra conta bancária que não a conta salário depois dos 35 anos. O cheque serve apenas para praticidade de pagamento e não para suavização financeira momentânea. Parece incrível a habilidade da tia Fran em dar presentes! Todos que dela ganhei foram sempre os mais baratos e aqueles os quais mais gostei!
Uma mestra na arte de transformar coisas simples e banais em lembranças de elevadíssimo valor sentimental! Sua sensibilidade e experiência de vida em conhecer quem vai presentear a fazem evitar o desperdício de R$ 2000,00 em algo cujo o valor monetário é o REAL motivo da surpresa e encantamento. E este meu devaneio está corretíssimo! Afinal, o que um corporativo bitolado com jornada de 14 horas diárias tem a acrescentar em termos de sentimento, candura e doçura à sua noiva? Claro que nada! Portanto, paga e paga caro! Somemos então! Neste simples episódio, tia Franca guardou vantagem de R$ 1.900,00 sobre o controlling coordinator pós-graduadando e graduado pela USP. Aposto que seu presente não custaria mais de R$ 100 e arrancaria sinceros suspiros!
Artur divaga bastante sobre bebidas requintadas. Diz ter herdado a mania de seu ex-chefinho francês de cultuar vinhos. Um hábito saudável, se a sua coleção de vinho não estivesse já avaliada, segundo ele mesmo, em R$ 7.500,00! Tia Franca gosta de vinhos gaúchos e paga não mais que R$ 8,00 a garrafa no supermercado Compre bem, o qual é servido às suas visitas sempre acompanhado de queijo minas e uma cômica e bem-humorada conversa sobre besteiras e fatos cotidianos ao redor dos sofás almofadas.
E por falar em almofada, Artur deve-me, desde que retornou da França, um convite para visitar sua adega. Não importa! Prefiro muito mais o vinho gaúcho com besteiras da tia Franca. E Artur perdeu novamente: neste caso, pelo menos uns R$ 4.000,00!
Sacrifícios médios mensais de Artur para preservação de sua imagem provavelmente giram em torno de R$ 500,00. Roupas e enfeites da moda. ..tudo que valorize sua presença. Tia Franca não gasta nada além de sua carisma, cordialidade e hospitalidade, evitando assim R$ 6.000,00 anuais com construção de uma imagem dissimulada, mascarada e baseada em ostentação.
Não pretendo aqui apedrejar os hábitos e gostos de Artur, mas tudo leva-me a crer que ele arca com árduas despesas baseadas apenas em desejos artificiais de demasiada vaidade, diferentemente da tia Franca, a qual sua imagem é construída pelas próprias virtudes e trejeitos. Enquanto Artur assume dívidas de ativos de alguém que precisa portar a imagem de corporativo com nível internacional, a tia Fran arca apenas com as dívidas inerentes a ela mesma.
Desde os 18 anos, quando foi aprovado no vestibular, Artur dirigiu carros novos. O primeiro ganhou do pai. O segundo carro foi adquirido 0 km. Naquele momento não tinha como pagar a vista. Então, o pai o ajudou na entrada e as demais parcelas ele arcou por conta própria. Alias, não arcou, porque depois da 10ª prestação decidiu que era hora de trocar o Corsa pelo Sandeiro, afinal soaria mal ser visto pelos managers da Alpha desfilando com o carrinho popular. Corsa de entrada e parcelas de mil e pouco na cabeça, mais seguro, mais combustível, mais IPVA, mais manutenção, mais, mais e mais . ..
Já Tia Franca nunca sentiu real necessidade de dirigir. Moradora do centro da cidade a dois quarteirões da estação de metrô, sempre considerou automóvel um tanto quanto desnecessário. Quando o lugar é inatingível via metrô, sua agradável companhia faz com que sempre lhe seja oferecida carona. Não tem carro e o fato em si não lhe incomoda. Uma vantagem sobre Artur de aproximadamente R$ 1.400 mensais. Ou seja, R$ 17.000 anuais.
Sei o quão covarde é, porém não poderia poupar-me de comparar os hábitos de lazer de ambos. Pelo menos duas vezes por mês, Artur vai a alguma das mais badaladas casas noturnas paulistanas. Generosamente, coloco em seu orçamento mensal, pelo menos, R$ 250 cada. Para o final de semana, o trio “namoradinha paulistana” ao lado de sua parceira dita as regras: cinema, restaurante & motel. Tudo por conta do jovem cavalheiro, claro! Aritmética, simples: 50+130+120=300,00! R$ 1.200 mensais é o quanto Artur despende para vestir o sapato da Cinderela.
Dois jantares por mês com eventuais colegas de mundo corporativo, como eu (nossa conta na semana passada totalizou R$ 130,00); dois happy-hours mensais. Oitenta com cento e trinta são R$ 210,00 mensais. Um glamoroso lazer: 1940,00 mensais!
Tia Franca não tem hábitos noturnos, exceto a internet e o chá da noite. Corriqueiramente, anda pelo centro e freqüenta sua religião. Quando muito, visita algm parente ou vai a algum parque, tal como o Horto e tem como principal diversão, uma ida mensal a algum restaurante. Seu preferido, um de comida chinesa, próximo à estação Vila Mariana. São em média R$ 100,00 mensais de lazer e, portanto, vantagem de R$ 1840,00 sobre o especialista em controladoria da Alpha.
Podemos compreender então quando Artur diz não sobrar nada de seu salário. Afinal, suas despesas pessoais giram em torno de 3.400. Amortização de passivos somados a despesas financeiras (juros) proveniente das infindáveis parcelas que contrai a revelia totalizam quase 2.000,00.
Aposentada pelo metro, tia Franca é responsável por suas despesas domésticas, diferentemente de Artur. Mesmo assim, diz conseguir poupar alguma coisa todo mês.
Artur não esconde sua insatisfação para com a Alpha. Considera injusta sua “baixa remuneração” de R$ 5.500,00 mensais líquidos. Suas maiores queixas, as financeiras, claro! Responsabiliza totalmente a Alpha por não conseguir quitar sem a ajuda dos pais as parcelas do apartamento.
Em geral, Tia Franca queixa-se também. Porém nunca a respeito de dinheiro! Seus problemas são relacioandos às dores oriundas da tendinite proporcionada por anos de trabalho nas bilheterias do metrô. Fora isso, um ótimo astral e um humor nato. Risadas marcam meu encontro com minha tia. Lamentações são as pautas de meus jantares com Artur!
Artur não conhece nada sobre a vida a não ser de seus semelhantes, por isso não faz a mínima idéia que pelo menos 50 ou 60% das famílias brasileiras consideradas classe C sobrevivem com a metade do que o pobrezinho ganha . O que o futuro mestre em controladoria deve aprender com os cabelos brancos (sempre tingidos) da ex-metroviária, vulgo tia Franca, é que a riqueza se mede pelo patrimônio e não pelos ativos; necessita aprender também que a construção eficiente da própria imagem independe do quanto gasta e com quem gasta, mas como gasta e se gasta, de fato, com aquilo intrínseco a si mesmo.


*Nenhum corporativo que se preze admite ser chamado de “financeiro”! Soa incrivelmente provinciano e humilde! Por mais que a função de estele.cristina@alpha.com.br seja executar ordens de pagamento, ela não é do contas a pagar, mas sim do Accounts payable Management (A/P department)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Rose do fiscal

São 7h43 e Rosangela Carolina Leite Tavares, vulgo Rose, passa pelas catracas do ABTC (Alpha Business Trade Center). Como de praxe, “bate o cartão” todos os dias pontualmente às 7h48 (conforme obriga seu contrato de trabalho, data de 1984). Natural e residente de Guaianases, acessa a empresa via ônibus, metrô e trem, despendendo, diariamente, 3h00 de translado.
Adepta convicta do ditado “Deus ajuda quem cedo madruga”, vem acordando cada vez mais cedo, devido a problemas com longos congestionamentos. Foi-se o tempo em que acordava às 6h18 rumo a Alpha. Hoje, seu galo digital canta não depois das 5h48. Fuma um cigarro, prepara o café, toma banho e lá está Rose com seu saquinho de pão de queijo “10 por 1 real” adquirido no terminal de ônibus de Guaianases.
Rose, 44, é casada, mãe de dois filhos e avó de dois netos, o Joanderson e a Sharliane. Mora apenas com o marido, o corretor de seguros Adailton Tavares, 54. Os filhos se casaram novos.
O perfil Rose do fiscal é o mais comum dos ambientes corporativos, porém o menos percebido, devido sua falta de pompa. Pelo menos 60% dos colaboradores de uma multinacional são como ela. Rose entrou na Braspolas ltda. com apenas 18 anos, com o cargo de aprendiz de assistente.
Durante a carreira, passou pelos mais diversos temores em sua única área de atuação, a fiscal. Para uma legítima CLT, não há nada mais temível do que uma demissão induzida (e nada mais doce que uma acordada). Rose C. Leite Tavares do fiscal agradece todos os dias a Deus e a Dorival, seu chefe, por nunca ter vivenciado semelhante experiência.
Seu objetivo de vida sempre foi a manutenção do emprego a qualquer custo até o merecido descanso da aposentadoria, após 40 anos de “suor honesto”. Suor honesto até a aposentadoria, seu lema! Houve períodos difíceis, é verdade! A abertura de mercado em meados de 1990 foi a primeira turbulência de sua carreira. A Braspolas passou por uma grande crise devido às concorrentes multinacionais ávidas pelo mercado de 140 milhões de Roses em ação. Corte de 60% do departamento do fiscal e 40% da contabilidade.
Rose salvou-se graças a influência de Dorival, seu chefe, padrinho de casamento e amigo de infância de um dos sócios da Braspolas. Adailton enciúma-se descaradamente de Dorival, mas admite que apenas não passou fome graças à bondade do chefe de sua esposa, o qual, no passado, dava caronas a ela todos os dias.
Passado a crise e a infância dos filhos, decidiu então se especializar. Fez um curso de técnico fiscal na IOB. Dorival promoveu-a a analista fiscal. Para Rose, os caminhos profissionais estavam abertos. Analista fiscal da Braspolas, curso da IOB no currículum vitae e salário 40% maior, o que garantia o sustento da família, já que Adailton estava desempregado naquela época.
Estabilidade da moeda, do emprego e da família, Rose não tinha a ínfima noção do que estaria por vir. A crise econômica dos tigres asiáticos em 1997 foi implacável! A Braspolas praticamente quebrou! E novamente o temor, a angústia e a depressão! Corte de funcionários e o corte do emprego de Rose dependia apenas da formalização. Para Rose C. L. Tavares - mais do que o desespero do desemprego por ser arrimo de família – sentia-se amputada.
Rose fez promessa a Nossa senhora Aparecida e a Santa atendeu. A graça veio novamente pelas mãos de Dorival, que quase caiu junto com a estimada amiga e colega de trabalho! Sua influência junto ao sócio fez com que fosse apresentado a Aranha, novo gerente fiscal da Alpha, empresa a qual adquiriu a Braspolas um ano após sua chegada ao Brasil.
Dorival conversou aqui, articulou ali e manteve Rose. Alias, daquele departamento fiscal da antiga Braspolas, restaram apenas os dois. Conforme prometido, Rose subiu de joelhos as escadarias da Igreja. E não poderia ser diferente. A ajuda da Santa foi providencial! Rose faz questão de desfilar com seu crachá da renomada multinacional norte-americana por onde passa.
Com a modernização e a tecnologia dos últimos anos, as atividades de Rose se limitam a “inputar” milhares de notas fiscais no SAP. Uma trilha de sucesso nos moldes da CLT: analista fiscal senior, técnica pela IOB e profissional de uma multinacional. As infindáveis horas de SAP trocadas por horas de salário CLT compensam. O grande plano de vida do “suor honesto até o merecido descanso da aposentadoria” caminha a passos largos para sua concretização.
Segue a risca sua bíblia sagrada, a Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo no trato com os colegas: nunca pode ajudar quando a solicitação passa 1 mm daquilo que contratou com a empresa como função e atividade! Uma mestra em repassar tarefas: “infelizmente não vou poder te ajudar, isso é com Genival do almoxarifado” . .. “isso é com a Paula do DP” . . “fala com a Rosane da contabilidade”. E quando o assunto é com ela, o velho truque da famigerada desculpa: “essa semana não vai dar, estamos em fechamento!”
Entre uma nota e outra cadastrada, sai, pontualmente, a cada hora (8h18, 9h18, 10h18 e etc) para fumar seu tradicional cigarro, o qual a acompanha desde a adolescência. Embora a empresa disponibilize uma área de café expresso, Rose segue a risca sua mania de longa data: porta sua garrafa térmica rosa com uma fita crepe escrita “Rose do fiscal”.
Como todo corporativo, Rosangela.leite@alpha.com pratica suas fofocas, porém em um nível mais baixo daqueles das áreas estratégicas. As conversas versam sempre sobre quem vai cair, quem vai subir e quem é gay. Rose assiste assiduamente a todas as novelas das 8. É a responsável do departamento por encomendar bolo, salgadinhos e docinhos dos aniversariantes de renome das favelas corporativas, tais como Dorival, Aranha, Daltão e Teixeira. Sempre que o faz, encomenda da Dna. Dolores lá da vila.
Sua filha engravidou de seu neto primogênito e o genro era motoboy. Após o nascimento de Joanderson, Rose “mexeu os pauzinhos”: sua filha fazia trufas e ovos da páscoa e ela subia até o 9º, 10º e 11º para vendê-los aos colegas e conhecidos do planejamento estratégico e do market inteligence. Segundo ela denomina, “o pessoal que ganha muito”. Para eles, Rose é o museu da Alpha!
Rose é o orgulho do pessoal da vila, afinal tem um “trampo de responsa na multinacional”. Para a família, um exemplo a ser seguido; para o marido, uma “guerreira”! Para a filha, ela “salva pátria” pois vende seu chocolate para a “playboizada”. Jamais separa-se do crachá, o qual é tratado por ela como a própria identidade.
Conseguiu financiar um carro zero e converteu-se ao evangelismo. A escultura da santinha que a salvou nas mais terríveis horas perdeu espaço em sua mesa lotada de post-it para porta-retratos com recordações dos netos. As paredes da baia que até então servia de quadro para fotos familiares, hoje são repletas de salmos e mensagens do tipo “Deus é fiel!”
E, corriqueiramente no final da tarde, Rosangela C. L. T. encerra mais uma jornada de trabalho. Sua máquina começa a ser desligada às 17h10, pois para ela, isto é uma questão moral: o relógio de ponto deve ser batido às 17h18 e a catraca ultrapassada às 17h20! Se passa antes, sente-se exploradora, quando depois, explorada! E quando noite, Rose já está no aconchego de sua casa sua vida em Guaianases, onde, depois do banho, inicia os preparativos para o próximo dia até que a aposentadoria a separe da Alpha.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O papai noel e a carocha

Que as empresas são grandes fabricantes de “diz-que-me-diz” é fato consumado! Aliás, se as baias pudessem escrever um livro sobre as abobrinhas, groselhas, injurias, falsas promessas que ouvem, certamente produziriam textos muito mais divertidos em comparação com os do Causos Corporativos. Mais hilariante ainda, se pudessem debater entre si o que escutam diariamente dos corporativos. Porém, as baias não serão os personagens deste post, mas sim de algum próximo. Neste aqui, as groselhas serão classificadas de acordo com os seus prováveis autores, dentre eles: o papai Noel ou a carocha.
Formalmente, o jargão “conversa da carochinha” é definido como gênero de prosa e ficção, narrativa folclórica e história mentirosa. E nada mais mentiroso e folclórico do que a eterna promessa de Fernando do planejamento estratégico de que “vai largar tudo e abrir um quiosque na praia com a esposa”. Só vou acreditar quando eu estiver in loco. E como gostaria de vivenciar este momento! Presenciar a cena do corporativo padrão gerenciando seu quiosque na praia me proporcionará maior diversão do que qualquer banda de pagode ou meninas de biquíni que eventualmente figurariam por lá.
“Benzinho, você já formalizou por e-mail com cópia para mim o PO (purchase order) de 10 engradados?” “o pessoal da peixaria do Genival já se posicionou? Já formalizaram a cotação?”
“Já falou com o Tonico do cavaco? Quero e-mail com cópia para o chefe de banda . .ah, me copia em cco. Confirma o evento 21h sem delay!”
Banda no quiosque, cinco “gatos pingados”. “Amor, precisamos elevar o faturamento em 30% para bater o break-even”. Foco na porção de camarão e desestimular o temaki de lula (apenas um corporativo - e seu egocentrismo com traços psicóticos - teria a “brilhante” idéia de oferecer temaki em seu quiosque).
As conversas da carochinha são marcadas pelo seu tom fantasioso e geralmente são narrados pelos corporativos, sem muitas pretensões. Poderíamos perfeitamente denominá-las como “lendas corporativas”. Tão lendário quanto o Praxedes, o qual é sempre usado como exemplo para tudo por Teixeira nas conversas corporativas. Os lendários e épicos são aqueles profissionais que não existem.
Segundo Teixeira, o Praxedes tem duas graduações nos EUA, 5 MBA´s, pós-graduação em Westfhalenheim, Alemanha (a cidade deve ser fictícia também). Foi gestor por dez anos no Bank Merdon, diretor financeiro da “Joãoson e Joãoson” por cinco anos reportando-se diretamente para o CFO das Américas. Isso com 35 anos. Com 40, já era CFO mundial da Unieleven.
Quando vejo alguém versando sobre algum “super herói” corporativo, me programo para reduzir a pelo menos ¼. Dependendo do locutor, não acredito em nada! As vezes sinto piedade do Teixeira quando cria em sua mente um CV imaginário, apenas para expressar a trajetória profissional de seu sonho!
Talvez uma grande candidata ao prêmio “a carocha do ano” poderia ser a analista Mari, a qual se auto-promove, regularmente, dizendo que sempre recebe “proposta com salário muito melhor em departamentos mais estratégicos de empresas melhores”. Talvez a minha pergunta seja a mesma do leitor: então, por que não aceita? As vezes passo a crer que ela aplica aquele mesmo charme da adolescente menina-moça, quando conta para as amigas, que o Zezinho, o Luizinho e o Fernandinho estão afim dela. Mas ela não aceita ninguém, pois se considera muito superior. Fazendo a analogia, a Merdon, a joãoson e a Unieleven estão disputando “a tapa” uma tal de analista Mari. Mas ela não sai da Alpha! As propostas estão aquém da profissional que ela diz ser. Afinal, ninguém transporta dados do SAP para o Excel tão bem quanto ela! Ninguém faz tabela dinâmica como ela! Tabela dinâmica por cima, por baixo, de frente e de costa (peço desculpas aos corporativos: tabela dinâmica não, Pivot table). O mercado tem mais é de brigar por uma talent como ela!
Embora fictícias e sonhadoras, as conversas da carochinha não afetam tão diretamente sua vida profissional quanto as promessas de papai-noel. Tentadoras, agressivas e sedutoras, oferecem o maravilhoso mundo o qual você nem sequer chega perto e como conseqüência te frustra.
Dentre elas, a melhor, mais velha e famosa: reajuste salarial após um ano de casa. Dado que os orçamentos proíbem oferecer salário maior do que a mixaria que te foi proposto (da mesma forma você aceita, pois como todo bom corporativo, não suporta mais a atual a empresa), então o selecionador tira esta carta da manga no momento da entrevista.
Em minha humilde, radical, porém não esquizofrênica opinião, o maior defeito dos corporativos começa neste ponto: quando ressentem, subjugam e desmerecem os seus respectivos proventos mensais. A troco de que pessoas se enjaulam 14 horas por dia? Sinceramente, acredito que não há quantias financeiras que satisfaçam tão longa dose de esforço diário.
Se não há prazer e satisfação em relação à atividades, funções e ambiente, não há remuneração bastante. Comentário do tipo, “se eu ganhasse uns 30 mil por mês, tudo bem” perde a validade quando de fato se começa a ganhar 30 mil por mês. A insatisfação tem outra causa, porém a culpa é do salário! Entre as conversas da carochinha do gênero, prefiro acreditar naqueles que colocam, em seus discursos, o jargão “não há dinheiro que pague”!
Culpar o salário é alienar-se e cegar-se para as mazelas e insatisfações corporativas e, além do mais, para um corporativo padrão, quanto maior seu salário, maior e mais sofisticado é o instrumento alienante que pode adquirir, tais como carros de luxo, confortos desnecessários e fúteis, tudo que o faça esquecer a vida escravocrata e sem sentido que leva. Afinal, dado que se trabalha 14 horas/ dia, restam apenas 10 para atividades que não trabalho. Três horas de translado, 1 hora de refeição noturna e seis para dormir. Resumo: o mundo corporativo é a escravidão do século 21.
Menos importante, porém não irrelevante para o presente é a "promessa de estacionamento". E aqui proponho uma dica: caso te deram prazo de um mês para a famigerada vaga, pechinche um plano anual no estacionamento ao lado. Se o prazo para uma vaga é indeterminado, então esqueça! Jamais guardaras a sua coisinha popular em meio aos cayennes, Tucson, A6, A7, A8, A5000 dos amáveis gestores da Alpha.
O papai noel corporativo atua bem também nos campos de viagens corporativas internacionais. Trainees, analistas e pequena gerência (os miúdas) são sempre atraídos pela “projeção internacional”ou pelos “treinamentos no exterior”. E então se sentem obcecados e atraídos por aquele mundo encantado e sem fronteiras, acreditando que de fato serão levados pelo trenó do bom velhinho às terras longínquas e desenvolvidas.
Trenó este que levam também os aspirantes! Mais especificamente, os estagiários! Vestido de terno, o bom velhinho convida o novato à entrevista, na qual sempre entoa o seu famigerado discurso promessa: “após o fim do contrato, há grandes chances de efetivação . . veja a Luciana Hauber (analista de recrutamento, sempre presente - a arroz de festa das entrevistas), ela adentrou na Alpha como estagiária, foi efetivada e hoje faz parte da equipe da gestão de pessoas”
Não há como lutar contra fatos! Basta calcular a relação entre estagiários contratados por multinacionais e os realmente efetivados naquela. E, então, automaticamente direcionam a óbvia, porém ingênua contra-argumentação: “claro, só os talentos são efetivados!" No começo da minha carreira, carregava esta máxima comigo também. E, francamente, gostaria de perpetuar com ela. Porém, novamente, o mundo corporativo violentou mais um de meus prematuros sonhos profissionais: efetivação graças ao esforço!
Quando não efetivado para suprir uma necessidade imediata, o estagiário precisa de duas grandes sortes, tendo ambas atuando simultaneamente: primeiramente, cair nas graças de seu superior direto e assim tornar-se seu afilhado corporativo e a segunda e derradeira: que seu padrinho corporativo seja alguém influente. Há certa “meritocracia” na primeira exigência, muito embora o “cair nas graças” no universo corporativo geralmente não se dá em planos racionais e objetivos, mas sim em esferas políticas, subjetivas e emocionais, do tipo: “o chefinho foi com a sua cara”. Porém o segundo requerimento é pura “sorteocrácia”: jamais terás o luxo de escolher seu superior direto em uma entrevista.
Na mesma classe de anedotas encontra-se “A sua chance de crescimento nesta área é muito grande. ..tudo vai depender de você”. Desenvolvimento profissional?! Não, claro que não! Quando ouço este famoso jargão em uma entrevista, sinto que o meu futuro chefinho já está pensando em jogar a conta da patifaria político-corporativa nas minhas costas! Desde quando a ascensão de alguém depende apenas do próprio esforço, competências e habilidades? Desde quando a chance de crescimento é grande? Desde quando alguém espera pelo seu crescimento? O auge de seu esforço é apenas o ponto de partida: sem este, será muito difícil conquistar pelo menos o mínimo de respeito.
Caso já esteja pensando em sugerir instalação de detector de mentiras no departamento, venho novamente com más notícias: o gerador de lero lero corporativo não para por aí! Aliás, a título de introdução à malandragem corporativa, foram apresentados apenas os mais brandos e simpáticos papai-noel e carocha. Mas que os outros personagens do gênero das anedotas não se sintam injustiçados: em próximas postagens, entrarão em cena, o vigário, o super.man@alpha.com e o joão.sem.braço@alpha.com!

sábado, 27 de novembro de 2010

O conto do vigário - meu divórcio com o mundo corporativo

Tal como feito em outras postagens, refleti muito sobre como intitular aquilo que tentaria descrever. Estive pesquisando a respeito da origem do termo “conto do vigário” e algo me chamou muita atenção. A palavra vigarista originou-se desta expressão e não vice-versa. E não teria melhor palavra para definir a atitude da Alpha para comigo, quando lá participei de um processo de seleção. Não temos, aqui, o intuito de utilizar o blog como o “muro das lamentações”. Opostamente, este tem sido alimentado por conteúdo que propõe profunda reflexão sobre os malefícios proporcionados pelo enganoso ambiente corporativo.
No entanto, foi graças a uma atitude extremamente vigarista do cafajeste mundo corporativo que minha carreira tomou rumos responsáveis por mudanças bruscas em meu destino. Talvez, graças a este expediente, sinto que, atualmente, ganho horas saudáveis de vida divagando e escrevendo sobre o tema, para que de alguma forma ajude a sanar o processo de completa alienação que 95% dos corporativos atravessam. Sendo assim, tomo a liberdade, de relatar um fato pessoal para melhor ilustrar como se dá a vigarice corporativa em suas nuances mais perversas.
Atuava em determinada empresa, mas não me sentia muito confortável por lá. Não me dirigia ao mercado, entretanto, fui contatado para uma proposta na Alpha. Primeiramente, entrevista com Luciana Hauber, a analista de recrutamento; Uma semana depois, fui contatado para “conversa” com Fernando do planejamento de novos negócios, área a qual atuaria; Após 4 dias, nova entrevista, desta vez com Fernando e seu chefinho diretor. Embora desconfortável na empresa onde atuava, estava tranqüilo sobre o provável resultado daquela entrevista. Talvez a única expectativa minha naquele momento era a saída da zona de desconforto. No entanto, aquilo não me fazia muito ansioso.
Passados dez dias, recebo um telefonema de Luciana Hauber parabenizando-me pela aprovação no processo. Embora o salário deste novo seria 120% maior, o que me fez realmente muito feliz, foi o fato de sair de um lugar extremamente desagradável, sem perspectiva e sem estabilidade, para uma área em que me identificava melhor.
Ao longo daquela semana, passaria por aquela cerimônia burocrática de entrega de documentos, pedido de demissão e etc. Porém, meu erro fatal: em um surto de alívio e desabafo, comuniquei, imediatamente após recebimento da notícia, minha saída ao chefinho. Lembro, como se fosse hoje, aquele semblante vermelho e inchado, com traços profundos de obesidade cardíaca certamente proporcionada pela vida corporativa, tentando me agredir ou hostilizar de alguma forma sutil, por causa de meu abandono naquele momento.
Igualmente sutil, tentava responder que diversas vezes havia sido abandonado também como profissional. Bombardeios morais iniciaram-se então: primeiro disse que não iria me demitir. Por mim, sem problemas! Embora corporativo, não era miserável, nem de espírito, nem de grana. Meus princípios e valores familiares a respeito do trabalho sempre me fizeram ignorar a ridícula, assistencialista e antiquada CLT. Abria mão, sem qualquer tentativa de contra-argumentação dos 40% de multa, também conhecido em ambientes decentes, como a esmola; Bem como de meu FGTS. Em seguida, um pouco mais agressivo, disse que havia muitos contatos corporativos e que segundo a visão dele, eu estava sendo muito precipitado e isso poderia me prejudicar.
Com os seguintes dizeres, me atacou: “tenho 25 anos de mercado. .. talvez a sua idade de vida . .As vezes, quando jovens, nos deixamos iludir por aquilo que vemos! Mas exatamente aquilo que não vemos. . .o mundo paralelo e não tão bonito e límpido da juventude . . nos puxa o tapete . . .e após um tombo desses, meu amigo, levantar-se é muito difícil! Você consegue, é claro! Mas nunca na mesma posição em que poderia estar! A decisão é sua e você paga as conseqüências dela! Precisa de tempo para pensar? Bom, já que não precisa, então, nossa conversa está encerrada por aqui. Se você me der licença, preciso entrar em contato com alguns colegas, além de providenciar seu bloqueio de e-mail e diretório. Só peço um simples favor: que você consiga passar tudo que for possível para seus estagiários e assistentes. Você poderia também, por favor, enviar e-mail solicitando ao RH um novo recurso em seu lugar?”
Sei bem o quão triste é, mas isto não me abalou! Ao longo de minha trajetória profissional, nunca soube ou conheci verdadeiramente, como seria trabalhar sem assédio moral. Desde estagiário até minha última colocação no mercado, sempre fui moralmente lesado. Em momentos extremos de minha carreira cheguei a achar tudo aquilo muito normal. Em minha visão, estas atitudes faziam parte do pacote “pressão do mundo corporativo.”
Mas, pasmem! O pior estaria por vir! Cumpri todas solicitações supracitadas daquele malvado que se tornaria, em três dias, meu ex-chefinho, enquanto levava minha documentação à Alpha. Acordei com Luciana Hauber de telefonar quinta-feira pela manhã de modo a agendar meu exame médico.
Pontualmente, quinta-feira as 8h30, liguei para Luciana. Esta me comunicou que naquela semana não seriam realizados mais exames e solicitou meu aguardo até terça-feira pela manhã, quando deveria contatá-la novamente. A princípio fiquei contente com a possibilidade de descansar até segunda-feira.
Eis que quando ligo na terça, a bombástica, derradeira e devastadora notícia: infelizmente, a vaga havia sido preenchida! Eles lamentaram o incidente e se desculparam pelo ocorrido, não permitindo que eu esboçasse qualquer indagação a respeito do que havia ocorrido. Fiquei atônito! Tentava argumentar, dizendo que já havia pedido demissão da antiga, porém em vão! Luciana foi contundente: “ordens formais da diretoria financeira.”
Até hoje sinto-me confuso a respeito disso. Uma vertente minha adepta da teoria da conspiração acenava fortemente para um provável serviço sujo do meu ex-chefinho. Outra mais realista aponta para uma possível indicação formal pela diretoria de outro profissional. Provavelmente, o Paulinho filho do amigo do diretor!
Não havia e-mails e nem provas da vigarice. Mais do que desempregado, me sentia humilhado! Aquilo me ardeu muito e me proporcionou pelo menos um mês de depressão. Não tinha a menor motivação, mesmo de sair da cama. Até o som da TV me perturbava. Após o fato, declarei-me divorciado do mundo corporativo, pois tenho a legítima convicção que aquilo ocorrido comigo é regra e não exceção! Cheguei a conclusão do quão decepcionante e prejudicial é trocar minha honra e milhares de reais investidos pela minha família em minha formação apenas pelo glamour de dizer que faço parte da equipe de talentos de algum antro corporativo.
E de fato estou certo! Sinto que, por estarem alienados, corporativos desprezam sua capacidade de empreender e serem proprietários exclusivos de seus destinos sem necessidade da estabilidade glamourosa das multinacionais e muito menos da assistencialista e degradante CLT. Em um ambiente que predomina a “troca de horas por dinheiro”, quem compra os dias de vida mal vivida de um profissional – no caso as empresas - tem a barganha de ser imoral e cafajeste.
E a barganha é legítima, pois o produto “horas” não possui diferencial nenhum e é facilmente substituído. Entretanto, muitos corporativos “talentosos” ainda não entenderam que embora consigam produzir algo tão diferenciado e valioso chamado resultado ou performance, preferem comercializar (em um mercado já saturado) seu produto menos valioso, as horas formais de trabalho com um comprador perverso e poderoso, o qual as detém em troca de uma mixaria, que é a suposta estabilidade.

domingo, 7 de novembro de 2010

Minhas férias

Vamos reconstruir:
1- O Drama. Antes de agendar sua viagem de férias, o colaborador precisa conversar com seu superior sobre a melhor época pra descansar. E o superior SEMPRE vai fazer um drama maior que filme iraniano. Nunca dá pra tirar 30 dias. Nunca dá pra tirar 30 dias seguidos. E aí o colaborador, com medo de ter seu nome esquecido praquela vaga do analista sênior que vai se aposentar no final do ano, fala que tá atolado de trabalho e por isso não quer tirar mais que uma semana.
2- A contagem regressiva. Tal qual o aluno da 4ª série que faz uma contagem regressiva para o início das suas férias escolares, o colaborador também fica na expectiativa do período de liberdade (mesmo que de apenas uma semana). Mas essa expectativa não pode ser guardada apenas para ele. Ele tem que divulgar a todos que sairá de férias, ou “estará saindo de férias”, talvez uma maneira de fazer os outros sentirem inveja, ou testar sua popularidade. Para isso, nada melhor que o MSN. Adotou-se como convenção, colocar essa contagem regressiva no nickname – Lu - Countdown 12!! Ou Renato – faltam 12... ou até mesmo Carlos – 12 dias para o paraíso!!!. Há aqueles que aproveitam para soltar ao mundo o local de suas férias: - Ju – 12 dias!! Salvador HERE I GO!!!
3- A preparação. Quando o período de suas férias começa a se aproximar, é preciso intensificar os avisos de que você estará de férias. Em todas as ligações o colaborador avisa que na próxima semana estará de férias e por isso pede para que contate seu supervisor, ou colega. Mesmo que ele saiba que a pessoa não vai mais entrar em contato. E não são apenas colegas diretos que devem ser avisados. O gerente do banco é avisado. O motoboy é avisado. A secretária do cliente é avisada. A faxineira é avisada. O gerente de uma outra área vem pedir uma tarefa trivial na segunda-feira e a reposta é: “hmm para quando você quer isso?” - “sei lá, pode ser amanhã”. “Ah bom, por que se fosse pra semana que vem não ia dar por que ESTAREI DE FÉRIAS”. Ou ainda: “Carlos, que dia é hoje mesmo?” – “Cara, você pode ver isso com o Fernandão, to enroladão aqui porque vou SAIR DE FÉRIAS ESSA SEMANA”
4- O out of Office assistant. Todo mundo que tá de férias quer contar pra todos que está de férias pra mostrar que é fodão, trabalhador e merecedor (mesmo tendo arregado pro chefe e pedido apenas uma semana). É aí que entra essa ferramenta espetacular chamada Out of Office Assistant, ou Email de Resposta Automática. Vale uma aprofundada nesse tema posteriormente, mas de maneira geral, posso dizer que sempre se deve colocar uma língua a mais do que a que você utiliza nesse email. Se vc só usa português no dia-a-dia, coloque em português e inglês. Se utiliza português e inglês, coloque em português, inglês e espanhol, terminando com um saudoso “saludos”.
5- A volta das férias. A volta das férias pode ser dividida em duas situações. A primeira é que todo mundo tem que mostrar o quão importante é, e quantos emails vc recebe por semana. Todo mundo inicia seu primeiro dia de férias com “Meu DEUS 472 emails não lidos!!!” e faz piadinhas ao longo do dia tais como “calma aí que só faltam 173 emails pra eu ler”, mesmo sabendo que desses 472, 320 são do e-groups dos seus amigos do carnaval. A segunda situação é mostrar pra onde vc foi. O colaborador tem que mostrar que foi pra longe e subir suas fotos na sua página da rede social no mesmo dia. Não pode perder o timing, senão ninguém vai comentar com o já tradicional “Ai que inveja”.
6- A depressão. Voltar de férias e trabalhar pode ser comparada a situação de um presidiário que deve voltar a cela depois dos seus minutos ao sol. A depressão vem forte. Você não pode mais usar bermuda. Você não pode mais acordar tarde. Você não pode mais beber cerveja no almoço. Tem gente que chora. A ficha cai e aquele paraíso que você achava que era a vida, não existe mais.
7- Voltando ao normal. Quem viaja de férias volta mais alegre, sentindo que a vida é linda, volta com centenas de planos para uma vida melhor. “Nessas minhas férias vi que devemos ter mais qualidade de vida”, “não vou viver apenas trabalhando”, “vou encontrar toda semana o pessoal da minha viagem”. E após uma semana, o colaborador nem lembra mais que tinha esses pensamentos. E volta pra rotina, acordar, pegar trânsito, trabalhar, pegar trânsito, dormir.