sábado, 2 de janeiro de 2010

Corporatês - 2ª aula

Nesta segunda aula de corporatês, trataremos exclusivamente da classe dialética relacionada a mania de business english da ralé e semi-ralé corporativa. Estou longe do mundinho já faz um ano ( e quem está dentro se vangloria disto – vos digo: tenha certeza, uma jogadora de Tarot e búzios é mais feliz que você) e por vezes me atualizo com colegas que estão encarcerados nas baias. Um deles me contou que o analista Junior já não está mais em uma ligação; Agora ele está “IN CALL”.
A utilização do termo em Terras Brasilis é lamentável por si só, não restando muito a divagar. No entanto, pensando em sua origem, há uma hipótese. O nosso co-supervisor fora para o curso de International Accountancy Standards (entenda como turismo corporativo) nos EUA e durante o treinamento ficou os dias junto com o pessoal de lá. Então, quando retornou ao Brasil, falava o termo, mesmo quando não precisava. Por meio de infinitas redes de contatos, o termo se popularizou e hoje os favelados corporativos estão todos in call . .eles comem mortadela e arrotam um “estou in call”.
Se você deseja se manter em sua querida corporação pelo menos durante o período de experiência, jamais, nunca mais, diga rede de contatos. Você tem um NETWORK. Alias você não tem amigos, você tem network; da mesma forma, não faz amizade, faz network. Um corporativo que se preze não tem amigo! Tem contatos espalhados por todos os cantos. Embora existam coisas como o LinkedIn, tenham certeza que esta mania superficial e falsa de network tem um campo ainda maior para atuar. Em dentro de dez anos, haverá mercado de compra e venda de contatos. Net market: Luciana Hauber, atuação como analista de recrutamento, “morou” na Inglaterra seis meses – valor R$ 70,00; ainda acho que já tem coisas melhores em outros mercados por cinquentinha!
NETWORK é a evolução do antigo “círculo de amizade”. No auge dos anos 70 e 80, os meios de comunicação não eram tão evoluídos e o mercado não tão competitivo e grande, restringindo as pessoas à grupos menores. As panelinhas ou círculos de amizade eram grupos de pessoas que se mantinham em rede de “ajudas superficiais” (nada de emprestar dinheiro. . .mas sim indicações para emprego, clientes ou coisas do tipo) mútua.
Com o desenvolvimento econômico brasileiro em meados da década de 90, o mercado tornou-se muito abrangente e os corporativos daquela geração perceberam que o formato de grupos pequenos não estaria mais adequado, dado a gama enorme de opções e oportunidades. Então com a explosão da internet no fim da década, surgiu-se a idéia de ligar ou LINKAR todos os corporativos em redes de contato mundial – a aldeia da corporação global.
Entretanto, estava implícito que o novo conceito não funcionaria muito bem. Seria superestimar deveras o coletivismo e altruísmo do corporativo padrão. Ele é mesquinho, orgulhoso e egoísta bastante para não aceitar, de forma alguma, ser contato de qualquer um. Pensariam vocês que Régis – um compliance analist da Alpha - aceitaria ter qualquer vínculo, ligação ou contato (por mais virtual que seja) com a Francislene, a assistente administrativa da Augenor Contabilidade ? Seria muita ingenuidade de vossas partes.
Hoje, os poucos maliciosos círculos de amizade dos anos 70 e 80 vieram a transformar-se no preconceituoso, hierarquizado e internacionalizado NETWORK - grupos de pessoas com o currículo semelhante são contatos das outras e barreira de entrada é enorme, caso seu CV seja inferior. É a moderna sociedade de mercado dividida arcaicamente em castas.
Interessante é Fernando do Planejamento estratégico, que enquanto resolve algumas “buxas”, deixa as outras em STAND BY. A utilização do termo é um pouco justificável na medida em que passa 15 horas de seu dia na frente de um computador, mesmo assim, fico em dúvidas sobre o porque de não deixar o assunto “no aguardo”, ao invés de em stand by? As vezes fico francamente sensibilizado com a síndrome de cidadão do mundo dos corporativos; parece que há uma forte necessidade em parecer e aparecer internacional.
Uma vez na segunda aula, é hora de abordarmos as abreviações do business english. Desta vez, o escolhido é o FYI. Esta abreviação é uma forma polida que os corporativos adotaram para falar “não vai dizer que eu não avisei”. O PSI (Para Sua Informação) já seria suficiente, mas não basta ao corporativo ser corneteiro, ele deve espalhar o e-mail alheio em alto estilo; então solta o rebuscado FYI.
Mais engraçado é o B.R.!!! Não bastando a falta de coerência em nome de uma sofisticação no mínimo cafona e esdrúxula, na qual o fulano escreve um e-mail em português e o finaliza com um “Best Regards”, agora ele abrevia!
Lembrando os termos do início da década, não poderíamos esquecer do “IN OFF”. O termo popularizou-se tanto que hoje pode ser ouvido em qualquer conversa banal fora do contexto corporativo. O IN OFF eternizou-se pois reflete como nunca o espírito corporativo da restrição de assunto dividida por castas. Quanto mais IN OFF te contam, mais influente és na organização. Verdadeiramente, o termo é a sofisticação corporativa do famoso pedido da suburbana fofoqueira: “pelamor de Deus, você não conta nada pra ninguém hein!”.
Os “IN OFF” geralmente são contados em almoços, cafés ou happy-hour, porém jamais em território corporativo não neutro (o café é considerado neutro), pois conforme sugere o quinto mandamento das paranóias corporativas (vide próximos textos), a empresa é cercada em toda sua dependência por câmeras, microfones e “colegas espiões” contratados especificamente para te vigiar.
Estes dias estava saindo de casa e cruzei com a Dona Maria, uma vizinha de rua. Ela me deu bom dia e logo adiante não resistiu: “ menino, você não vai acreditar . . olha, eu vou te contar mas é enhofi. ..” então pensei: se o “enhofi” chegou nos bairros, por que, também, não separar as baias com portões? São mais adequados para fofoca.
Realmente muito engraçado é ver o Aranha – gerente do fiscal – sendo chamado de COACH pela Isabel da área de treinamento. Quando ouço o jargão corporativo bastante invocado pelos RH´s, me vem a mente aqueles treinadores de futebol americano com aquele bonezinho, um apito pendurado e aquele uniforme de esportista.
Mal posso imaginar oAranha chegando vestido nesses trajes e apitando no departamento inteiro, pedindo nota fiscal para o Dorival, o assistente sênior do fiscal, aquele senhor de 60 anos que conhece todas as notas da Alpha desde 1970. Isto acontece e chega a ser surreal chamar Aranha de coach do Dorival. Surreal mesmo é o abuso do inglês no corporatês que procura enquadrar e padronizar todos segundo seus jargões e expressões.
As grandes empresas não são formadas por marcianos, mas por pessoas provenientes de um mesmo povo e, portanto, embora os RH´s procuram cultivar e estabelecer uma cultura de aldeia global com sofisticação, diferenciação e internacionalização, as corporações refletem os mesmos vícios sociais de seu país. Afinal, o que somos nós brasileiros? Em minha opinião, seguidores alienados e obcecados em transformar aquilo que vem de fora em nosso. Cazuza é mesmo imortal em dizer que brasileiros burgueses são caboclos querendo ser ingleses.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hahahahaha!
O Aranha de COACH é a mesma visão que sempre tive! Hahahaha!
Paga de grande COACH, mas depende mesmo é das habilidades do Quater back pra se dar bem...