(Cabe ressaltar que o nome da empresa é totalmente fictício, de forma a evitar qualquer utilização de direitos de imagem da verdadeira instituição)
Anestesiado após minha aprovação no vestibular, parecia, naquele momento estar respirando ares de dono do mundo. Simplesmente aprovado em um dos melhores centros de estudo de negócio da América Latina, compartilhava com meus novos colegas, o sentimento de que estaríamos próximos de um futuro deveras promissor.
No primeiro momento não tinha a exata noção do que seria um futuro promissor dentro de uma faculdade de administração, mas tinha certeza que o meu seria. E então, em um daqueles dias ociosos de começo de faculdade, estava circulando pelos cantos de lá, quando avistei um cartaz grande, verde e bonito, com a foto de alguns jovens elegantes, bem vestidos (de forma corporativa), sentados trocando idéias ( em bom “corporatês”: eles estavam em um brainstorm) sorridentes em frente de um computador; Acima havia uma mensagem bem grande: “venha fazer parte da equipe de jovens talentos do Bank Merdon”.
Parei e fiquei observando por algumas dezenas de segundos. Parecia, naquele momento, estar diante do que verdadeiramente poderia ser um futuro promissor. Uma confusão de imagens e mensagens: jovens talentos + bank merdon + trocar idéias + ternos e gravatas + fazer parte da equipe. Deixei escapar um espontâneo sorriso, do tipo “já sei onde é o meu lugar”. Coloquei-me naquela posição; terno e gravata, decidindo o futuro do Bank Merdon junto com meus colegas de Merdon (todos talentos – só os melhores do futuro reunidos, os gênios unidos), sorridentes (o sorriso seguro da certeza do poder), na frente da tecnologia (um laptop – naquela época, este benefício era destinado apenas a presidentes) e certo de estar realizando o futuro promissor.
As vezes me flagro relembrando a idéia que tinha do mundo corporativo e ora dou risadas ora sinto uma vergonha imensa. Uma ingenuidade a beira do absurdo: em minha mente, uma vez que havia sido contratado a título de talento com potencial, adentraria como estagiário, não para exercer atividades profissionais, mas sim para entender e aprender processos de forma a associar com os ensinamentos de uma faculdade de ponta tão requerida por uma instituição como o Merdon.
Imaginava que, por vezes, diretores e vice-presidentes fariam o papel de verdadeiros tutores, chamando-me em suas salas para ensinar um pouco com suas experiências, de modo a me encantar com seus conhecimentos e sabedoria sobre o mercado e o mundo dos negócios. E então, depois de algum tempo naquela instituição, o meu futuro gestor me chamaria para comunicar que, como eu já havia passado por todas minhas etapas de preparação, eu estaria apto para exercer atividades profissionais no Bank Merdon. Naquela época não tinha a ínfima noção do que seria “orçamento para efetivação de estagiários”, “demissão de analistas plenos e efetivação de estagiários como analista Junior para realizarem mesma função, devido a corte no orçamento” ou “estagiários subordinados à analistas plenos, para dar suporte (e suportá-los) nos trabalhos maçantes.”
Chegou o segundo ano da faculdade e não perdi tempo. Assim que avistei o cartaz do programa de seleção de jovens talentos do Bank Merdon, logo me inscrevi no site. Aguardava ansiosamente pela resposta e naquela época alguns de meus colegas já conseguia o primeiro estágio. Lembro que um deles havia sido aprovado no processo de seleção de estagiários do Bank Merdon. “Caramba, o Leandro Leal “tá” na Merdon!!!” Evocávamos eu e meus colegas.
Em paralelo, já aprendia alguns conceitos de gestão de pessoas, tais como perfil. Olhava para o tal de Leandro Leal e pensava: o perfil do Leandro é o do Merdon, e portanto deve ser o meu, caso queira o futuro promissor. Se eu não ser aquilo que o Merdon procura, exatamente o que o Leandro é, meu futuro não será promissor. E então, passei a analisá-lo, buscando nele, características pessoais, que possivelmente seria de agrado dos gestores da Merdon. E, francamente, eu não encontrava algo específico.
Pouco depois, outro colega havia sido aprovado no processo do Shitbank. Estávamos naquelas rodas de conversa de alunos antes da aula e, enquanto trajava camiseta e bermuda, vindo do clube, meus colegas de Shit e de Merdon, já vestiam ternos e portavam suas pastinhas. Enquanto eu falava sobre futebol, mulheres, academia e cerveja, os dois debatiam sobre as vantagens de ser do “front” e as desvantagens de ser do “back.”
Lembro que as vezes me sentia um garotinho perto destes verdadeiros executivos de 18 anos. Não fazia a menor idéia do que seria isto. Mas o dia do meu futuro promissor estaria perto. Eis que recebo um telefonema do Merdon, me comunicando que havia sido selecionado na fase de triagem de CV e agendando a etapa da dinâmica de grupo! Veio-me, então, aquela sensação de vitória do começo do texto; Ares de dono do mundo me encontravam novamente. Se eu seria front, back ou raio que o parta, dane-se, eu seria do Merdon: bem vindo ao convívio dos eleitos, portas abertas, Green card, chamem do que quiserem. Tal como quando passei no vestibular, fomos eu e minha família jantar em um restaurante para comemorar. Hoje, sinto muita vergonha disso!
Mas, enfim, é chegado então o esperado dia da dinâmica de grupo do Merdon. Um verdadeiro Big Brother Corporativo, no qual o prêmio é o início do futuro promissor. Lembro de todos os detalhes daquele dia. Minha primeira dinâmica, primeira vez de terno indo para o mundo corporativo – um homenzinho, o executivozinho do Merdon! Mesmo que fosse do shit. O Significado é o mesmo, um passo para o poder, para a ostentação e o glamour.
Não me incomodei nem um pouco com o trânsito – aliás, achava divertido dividir espaço junto com corporativos nos longos congestionamentos. Da mesma forma, não me foi incomodo pagar R$ 20,00 o estacionamento sem qualquer reembolso dos pobres coitados da Merdon. Tudo era alegria! Mal podia esconder minha felicidade ao entrar naquele conjunto imponente de edifícios.
“Se segurem, o Jack Welsh chegou”, pensava comigo ao me deparar com os demais candidatos sentados nos sofás do saguão a espera do chamado para a dinâmica. Embora já tenha se passado quase sete anos daquele dia, consigo lembrar mesmo dos detalhes mais irrelevantes. A conversa do saguão foi um show de bizarrice: os melhores CV´s de aspirantes de São Paulo querendo contar suas vantagens, uns aos outros.
Entre nós, aqueles já com experiência profissional detinham mais moral. Afinal, “só” faltava isto para a maioria dos “geniozinhos” lá presentes. Ah, lembrei . . . havia a turminha que cursou o colegial nos EUA (estes eram os “senhorezinhos” do conselho – batam continência). Quando me lembro da empáfia daquela garotada, fico pensando como devem ter sidos os primeiros meses deles como estagiários.
Uma glamorosa humilhação! Papai gastou fortunas para formá-lo e, por ironia do destino, o tal do futuro promissor está agora nas mãos do Sr. Adolf Teixeira, o supervisor. Uma formação sofrível, uma linguagem terrível, requintes de crueldade, péssimo caráter somados a um egoísmo e egocentrismo ímpar.
Hoje chego à conclusão que verdadeiramente este é o tal do “futuro promissor.” Foi minha dificuldade no passado e sinto que os atuais aspirantes a corporativos confundem muito sobre o conceito de futuro promissor. Na maioria dos casos, quem o define é a própria faculdade, a família e a sociedade – e acredite, este é o começo do apocalipse: terceiros escolhendo seu destino; Quando adentra à empresa, outros terceiros escolhem a continuação de seu destino, traçam sua carreira e te induzem a pensar igual a eles sobre o que é bom para você. De fato, passa a crer que aquilo realmente é bom e, em conseqüência, o que diverge é o caminho do mal.
Mas como sempre adverte a analista Mari: “não vamos perder o foco”. Luciana Hauber, a analista de recrutamento, uma mulher elegante, corporativa e simpática adentra a sala com um bom dia convidativo, oferecendo água e café a todos.
Aquele ambiente era ótimo: uma sala de reunião confortável, requintada e tudo corporativamente bem ajustado, com os melhores corporativos juniores de São Paulo figurando junto com Luciana Hauber (o futuro chefinho, o gestor de fundos Adilson Franco, chegaria minutos depois para completar o elenco da peça teatral – um corporativo que se preze sempre chega atrasado a reuniões não importantes, pois estava envolvido em problemas relevantes – por mais que ele estivesse vendo vídeos de sacanagem em seu computador).
“Pessoal, bom dia a todos meu nome é Luciana, sou da área de “recruitment & career” do Bank Merdon, estamos começando mais um processo de seleção de novos talentos do Merdon. Este programa é uma ótima oportunidade para se iniciar uma carreira em uma instituição de renome. Nosso intuito aqui não é preparar os melhores estagiários, mas sim grandes profissionais para o mercado. Eu posso afirmar isto com convicção, pois também adentrei aqui em um programa de seleção de talentos e sei bem o quanto aprendi nestes dois anos de Merdon.”
“Estamos selecionando estagiários para a área de fundos. O Adilson -gestor da área- participará também da nossa dinâmica. Infelizmente ele não está ainda presente, pois acabou de retornar dos EUA. O A.F. esteve uma reunião com diretores em Merdon durante a semana toda e pelas informações que tenho, o vôo dele atrasou.”
Antes que ele chegue, vou dar algumas dicas quanto ao Adilson. Ele é uma pessoa de espírito jovem, super mente aberta, bem “easygoing”. Aproveite bastante este oportunidade para perguntar todas as dúvidas a ele. Eu o conheço bem e sei quue terá o maior prazer em respondê-los
Lembro bem, o quão boquiaberto eu fiquei! Sinto que naquele momento eu parecia uma garotinha ingênua e virgem sendo seduzida pelo fantástico mundo de Merdon (as empresas seduzem a garotinha virgem à uma noite romântica, a estupram com voracidade e depois a manipulam a pensar que aquilo é o amor; uma garotinha virgem jamais se voltaria contra o imponente reprodutor que a “ama” com muita voracidade).
Imaginem eu em Merdon tomando decisões junto com meus colegas gringos sobre os rumos do Bank Merdon, vôos internacionais, falta de tempo. . . o que era suspeita, naquele momento tornou-se certeza, Merdon era o tal do futuro promissor. O A.F. tornar-se-ia repentinamente meu senhor, meu pastor, proprietário exclusivo de meu futuro.
Luciana Hauber pausou um pouco a dinâmica para que aguardássemos a tão esperada chegada do príncipe. “A.F. ?!?!!? Nossa, o cara é foda!” Comentávamos todos em voz baixa sentados tomando água e café. Eis que Mr. Adilson Franco entra na peça. Só faltaram lágrimas e aplausos por parte dos aspirantes. Este foi o primeiro show business de minha vida.
A.F. e Luciana Hauber se cumprimentam e começam a conversar entre si, mas voltados a nós. Achava demais o mundo corporativo, mas não entendia o verdadeiro significado daquela irradiante simpatia contracenada pelos dois, com conversas agradáveis, sorrisos em excesso e piadinhas corporativas para divertirem os aspirantes. Realmente não sabia que aquilo era um teatro. Em minha mente, eles eram naturalmente assim, pois eram pessoas diferenciadas e melhores, afinal foram escolhidos pelo Merdon.
Hoje sinto muito vergonha da minha ingenuidade. Mas enfim, o teatro começou: palhaços a posto, que a prova do líder vai começar. Aspirantes divididos em grupo, estudo de caso na mesa, A.F. e Luciana assistindo e anotando. Aquele jogo de oito contra oito era bizarro. Havíamos um tempo para ler o estudo de caso e depois começaria o “brainstorm” igual àquele do cartaz.
Mesmo entre nós aspirantes, o tal do “brainstorm” não era lá tão inocente quanto àquele. Recordo-me de quase todas as vezes que tentava falar, um ou outro me interrompia com suas tacadas de “gênio” (ou de mal-educado), não me deixando qualquer reação. Então me questionava se de fato aquilo era um trabalho em grupo ou a competição de quem falava mais ou de quem conseguia concluir o raciocínio sem intervenção de ninguém.
No mínimo, estava um pouco distante daquilo que poderia se considerar “trabalho em grupo”. Mais bizarro era quando Luciana Hauber passava pelos grupos! Mesmo aqueles mais quietos procuravam se exaltar, falar, argumentar, discordar e profanar. Naquele momento passei a perder o respeito pelo verdadeiro intuito da atividade. Então minha única defesa, seria discordar e fazer prevalecer minha idéia, mesmo que a do meu companheiro fosse melhor. Assim como todos faziam. Aquilo me remetia ao que seria a Torre de Babel, talvez a Junior. Anos depois eu vim a conhecer a Torre de Babel profissional.
Enquanto isso, no melhor estilo “Bolanos e sua prancheta” (vide texto anteriores), A. F. apenas anotava. Então quando faltavam cinco minutos, uma mente supostamente sã de nosso grupo, alertou para concluirmos rapidamente, pois restava pouco tempo. Por tempos achava que isto era um perfil de liderança e voltado para resultados; após umas cinco dinâmicas percebi que o melhor nome para aquilo era “malandragem” de alguém experiente em dinâmicas.
O final da dinâmica foi um verdadeiro “gran finale” desta peça; um grupo contra o outro! Todos queriam se mostrar o quanto pudesse para A.F. Este apenas fazia algumas questões pontuais, nada que exigisse muito conhecimento. Lembro uma garota, perfil “analista Mari”, discutindo em alto brado com o estrela da dinâmica, perfil “estagiário nerd” – cursava Faculdade Gurmecindo Vera, colegial na Alemanha, fluência em inglês e alemão e papai era diretor do Banco Surreal.
Enquanto o colega discursava com ar de superioridade, a garota, também da Gumercindo Vera o interrompeu com “desculpa fulano, mas não é isso que o Adilson e a Luciana querem ouvir.” Adilson a interrompeu e rebateu: “fulana, vocês não devem dizer coisas para agradarem eu ou a Luciana, mas apontar soluções em que a Merdon seja beneficiada”. Tenho certeza que uma dinâmica como esta teria enorme audiência em várias redes de TV.
“Pessoal, acho que vocês já devem estar exaustos com esta manhã repleta de atividades conosco. Saliento que temos urgência na conclusão do processo e acredito que até o fim da semana vocês já terão um feedback. Gostaria de perguntar se alguém tem alguma questão sobre o processo ou até mesmo sobre a Merdon”
Não tinha nenhuma dúvida, ninguém também. Não fui aprovado, não sei quem foi. Confesso que a sensação de rejeição por conta da reprovação foi dolorosa. Na verdade a dor da rejeição é a contra partida da felicidade de quem entra na Merdon. Depois de tempos aprendi que esta sensação de grande felicidade ou grande tristeza não se deve a uma competência ou incompetência para adentrar na instituição, mas sim à expectativa que se cria (tanto você, quanto sua família e mesmo os colegas de faculdade) a respeito da instituição.
Uma grande expectativa na família é criada, pois entrar na Merdon seria a certeza de que o investimento em seu filho obteve frutos (o fruto que se colhe em uma instituição Merdon é o grande alvo de críticas deste blog). E então aflição de anos de várias famílias, noites de insônia de dezenas de jovens e o tal do futuro promissor são decididos por uma gincana medíocre e uma conversa de dois minutos entre um tal de A.F. e uma jovem iludida por aquele fantástico mundo de Merdon. Depois de anos, tive a felicidade de chegar a conclusão de que só tem futuro promissor aquele que tem coragem e discernimento para decidir o próprio.