quinta-feira, 12 de março de 2009

Haroldo e o termômetro da injustiça

Apesar do toque glamoroso (mesmo que mortadelonico) e teatral, as corporações são essencialmente antros de mágoas, rancores, invejas, iras e egoísmo. Fazendo aqui uma metáfora, as corporações- principalmente as multinacionais – são como aqueles bolos vendidos na porta do metrô, porém com uma cobertura daquelas delícias vendidas nas docerias mais famosas – em um primeiro momento parece lindo, charmoso, mas ao comê-lo de fato, sentirá uma azia tremenda.
Entre os ingredientes deste bolo vendido na porta da estação Artur Alvim, temos a mesquinharia (vide capítulo mesquinharia corporativa), o qual, em determinadas receitas, a dosagem é muito maior, vindo sob a forma de “jogar na cara”. Este termo guarda uma das denominações mais auto-explicativas entre os jargões da língua portuguesa, já que o termo induz alguém acumulando diversos sentimentos mal resolvidos até que seja atingido o cume do senso de injustiça – e então, “joga-se na cara”!
Seria muito mais fácil e menos desgastante emocionalmente se Haroldo, analista de operações, estabelecesse alguns limites ou refletisse melhor se realmente está sendo injustiçado, quando auxilia seus colegas de baias ou, até mesmo, realiza alguma atividade que não sua. A questão é que, primeiramente, Haroldo guarda um sentimento de auto-piedade e injustiça tão dantesco a ponto de já ter desenvolvido uma planilha salva em seu desktop, onde “alimenta” (o termo “alimentar planilhas” será citado na próxima aula de corporatês) tudo que fez “a mais” do que deveria (com informações dispostas em data, favorecidos, descrição e valor emocional – uma espécie de “rate” para cada favor executado).
Obviamente que em todos os setores da vida, uma forma de impor a personalidade é “deixar claro” limites e fazê-lo respeitar quando senti-los ultrapassados. Porém, o termômetro da injustiça de Haroldo vive defasado em 3 graus acima. E para ele não importa o quanto já foi feito a seu favor em outras circunstâncias – não há “rate” negativo na planilha de Haroldo.
Tudo começa quando algo é solicitado a Haroldo além do que é sua obrigação. Cordial e gentilmente, ele recebe muito bem a Mari, esforçando-se, de certa forma, para resolver o problema. Obviamente que, embora tenha havido cordialidade, a pessoa não deixará de estrelar na planilha de Haroldo – e, lógico, a temperatura subirá dois graus na escala Haroldo– diríamos então que subiu 2 graus “haroldos”.
Nada especial: Haroldo apenas ficará um pouco pensativo (significa que durante o seu percurso de volta no meio do agradável trânsito das 18h30 na Marginal Pinheiros, refletirá um pouco sobre os méritos e recompensa de ter feito aquilo). Porém, Mari achou o Haroldo super receptivo e solicito neste primeiro favor, então não hesitará, na próxima semana, em pedir que ele ajude-a novamente na mesma planilha.
Febre instalada! Haroldo se mostrou solicito novamente, porém desta vez, o furacão do sentimento de injustiça saiu do plano da inconsciência. Haroldo atendeu novamente, entretanto desde a hora em que finalizou o trabalho as 16h00 até as 23h00 - pouco antes de dormir - não conseguiu parar de refletir irritadamente sobre o acontecimento.
Trinta e oito graus Haroldo ! No outro dia, ele não conseguia sequer olhar para Mari, no entanto manteve a falsa simpatia, a qual alimentava nela um sentimento de felicidade em trabalhar num local onde as pessoas ajudam e trabalham em grupo. Já em Haroldo, o sentimento era de injustiça e revolta por não ter os “limites individuais” respeitados. De fato, há uma linha muito tênue entre respeitar limites individuais e trabalho mútuo, porém a inconstância do termômetro de Haroldo não o permite definir muito bem esta divisória.
Outra semana, novo reporte da planilha e desta vez foi fatal. Embora Mari tenha sido displicente em ter se acomodado no auxílio de Haroldo, nada justifica a crise de depressão proporcionada em Haroldo. Quarenta graus “haroldos” e ele não agüentou: simplesmente negou o auxílio. Não criou subterfúgios corporativos (na modalidade “estou ocupado no momento”): simplesmente disse: “não vou ajudar”!
Haroldo ficou nervoso, Mari não entendeu nada e a planilha foi entregue errada – então caiu a cobertura e restou só o bolo da porta da estação. Ele alega ter sido sincero em seus sentimentos. E foi! Porém, duvidoso é saber em que estes estão fundados. E ninguém sabe, pois pelo menos, o incômodo jamais havia sido colocado em pauta de forma sutil, quando tudo iniciou.
Alimentou-se planilhas, alimentou-se sentimentos e na hora mais oportuna (ou inoportuna) jogou-se na cara. Pode ser que a displicência do dia-dia corporativo ultrapassou os supostos limites emocionais de Haroldo, mas será que seu pensamento individualista não teria, também, ultrapassado os limites do mutualismo?

terça-feira, 10 de março de 2009

Diário de um talento

Aqui estou mais um dia
Sob olha sanguinário da chefia
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de um RH
Luciana Hauber ou a Isabel mandam embora peão que nem papel
Lá na baia ou no café, mais um cidadão José, servindo a Alpha, é o gerente de custos que passa fome metido a Roberto Justos
Ele sabe o que eu penso,sabe o que desejo, o dia está chuvoso e o clima está tenso. Vários vão ter que sair e eu não quero, mas de um a cem a minha chance é zero.
Será que eu me dei bem na reunião?,
Será que o diretor não entendeu a minha questão?
Manda um recado lá para o Daltão, se estiver pegando a Mari ta ruim na nossa mão.
Ele ainda tá com essa mina ? Pode crer, ela é Maria Gasolina
Trabalhei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá...Tanto faz, os dias são iguais.
vou fumar um cigarro, vejo o chefinho passar.
Me escondo dele para não me ferrar
Homem é homem, mulher é mulher.Pederasta é diferente, né?
É zoado toda hora, no almoço ou no café,
Rola uma fofoca que já deu até pro Zé..
Cada talento um padrinho, uma Licença, pouco trampo e grande recompensa
Cada recompensa um motivo, uma história de dádivas,
fama, vidas e glórias, fofoca, inveja, ódio,sofrimento,
despeito, desilusão, ação do tempo.
Misture bem essa química. Pronto: eis um novo talento !
Lamentos no corredor, na baia, no happy hour
Ao redor do trampo, em todos os cantos.
Mas eu conheço o sistema, amigão, hã...Aqui não tem santo.
Rátátátá... preciso evitar que um safado faça meu filme queimar
Minha palavra de honra me protege
pra viver no país dos cafajestes.
Tic, tac, já são 9h40.
O relógio da empresa anda em velocidade violenta.
Ratatatá, a corporativa vai chegar
Como gente de bem, apressada, católica.Com seu jornal, insatisfeita, hipócrita.
Com raiva por dentro, procurando por um alento
Olhando pra todos, arrogante e nojenta.
Não sei por que não, ela é tão avarenta
Minha vida não tem tanto valor quanto seu celular, seu computador.
Hoje, tá difícil, fechamento trimestral
Muita correria e a pressão é desleal
Alguns companheiros têm a mente mais fraca.
Não suportam o seu sucesso, arruma quiaca.
Graças a Deus e à Virgem Maria
que o diretor se afastou por alguns dias.
A sua sala no andar de cima tá fechada.
Desde terça-feira ninguém abre pra nada.
na mesa, a chave do cofre e o segredo
Tinha também uns documentos e dinheiro.
Qual que foi? Quem sabe? Não conta.
era ele e mais três armando uma ponta
Nada deixa um estagiário tão doente
quanto a efetivação de um concorrente
Aí moleque, me diz, então, vc quer o que,
a vaga tá lá esperando você,
pega seu final de semana sossegado,
seu currículo internacional e limpa o rabo,
a vida corporativa é sem futuro,
sua cara fica branca 24 horas dando duro

Já ouviu falar de Lúcifer,
que veio do inferno com moral um dia,
com a analista Lu não, ele é só mais um
fazendo entrevista para tesouraria

Aqui tem fulano do Mackenzie e da FEA-USP, ESPM,
Poli, PUC e também do ITA, das federais
Um analista “dos bons” tem moral lá nas baias,
para a Alpha é só um número, mais nada
9 unidades, 7000 homens que custam em média 3.000,00 reais por mês cada

Esses dias o chefinho veio aí, trouxe umas buxas, uns desaforos, enfim
Disse que o pilantra do Saldanha voltou com tapete vermelho e pompas do exterior
“Pagando” de chefão, ele humilha, assedia, com caneta Mont Blanc e outras regalias

- Ei Serginho vem cá, e o Fonseca onde é que está ? Lembra esse diretor que tentou te afastar ?
- Desse cara eu tenho ranço, pilantra, corno manso, deixava a gente louco e dava muito nó. O Leandro era estagiário e quase um menor, foi mandado embora sem nenhuma dó
Esse gente me incomoda, ser cafajeste tá na moda, o mundo roda, ele pode se queimar. . .
Não, já já, os processos estão aí, eu quero mudar, eu quero sair, tenho que escapar desse fulano, sem papo e sem engano
Amanheceu com sol, dois de outubro.
Conversas sobre praia e lamentos de tudo
De madrugada eu senti um calafrio.
Não era do vento, não era do frio.
Lembrei que não mandei o e-mail lá pro Rio
Lealdade em empresas é uma lenda
Simulam uma paz, com encobertas desavenças
Se um salafrário sacanear alguém,
Vinganças vão existir sem a ciência de ninguém
Agora é guerra com certeza,
divulgação do resultado da empresa !
A maioria se deixou envolver
Por fofocas de alguém que não tem nada a perder.
Dois gestores considerados passaram a discutir.
Mas não imaginavam o que estaria por vir.
Um Trainee, dois analistas mais dois estagiários
Uma maioria de funcionário primário.
Era a brecha que a diretoria queria.
Avise o RH, chegou o grande dia.
Farpas por e-mail e em cópia muita gente
Reuniões e discussões a coisa tá ficando quente
Ratatatá, é vinho branco e caldeirada.
o diretor foi almoçar, que se dane a molecada!
Restaurante muito fino, Rubayat, fogo de chão
refrigerante dolly e marmitex pro peão
O ser humano é descartável em empresas.
A hierarquia vale mais que a nobreza

A sacanagem não fica evidente
Esconde aquilo que está na sua frente

Ratatatá! Dinheiro jorra como água.
Politicagem e interesse, feche o nariz
sem pretexto, sem escrúpulo,
sem caráter, sem decoro,
você demora a perceber,
como é grande o desaforo.
No fundo do poço, vestidos de terno,
Adolf Hitler sorri no inferno!
O Robocop dos gestores é frio, não sente pena.
Só ódio e ri como a hiena.
Ratatatá, o Saldanha e sua gangue
vão se esbaldar com muito vinho e champanhe
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Atenciosamente, é um diário de um talento.

segunda-feira, 9 de março de 2009

E-mail de despedida

Não importa quantas vezes já tenha visto, nunca me canso de dar risada do quão ridículo são os e-mails de despedida. Hipocrisia, bajulação e mentira são poucos adjetivos para descrever essa etapa medíocre do cotidiano das empresas.

Abaixo segue a versão comentada de um exemplo clássico do mundo corporativo.

Caros amigos da Alfa,
Colegas escravos,

Chegou a minha vez de me despedir de todos vocês. Os últimos anos foram magníficos no desenvolvimento da minha carreira, mas é hora de partir em busca de novos desafios profissionais.
Estou caindo fora desta merda. Após anos de exploração sem sentido, baixo salário e horas-extras não remuneradas, finalmente consegui arrumar um emprego melhor que este (o que não quer dizer grande coisa).

Gostaria de deixar meus agradecimentos a todas as pessoas que de alguma forma me ajudaram durante todos estes anos. Sei que posso acabar esquecendo alguém, mas algumas delas merecem uma saudação a parte:
Abaixo segue a lista das pessoas que transformaram a minha vida num inferno durante todos estes anos. Existem muitos outros fdps, mas não consigo lembrar o nome de todos:

1) Em especial fica um forte abraço para o Teixeira, meu chefe ao longo desta jornada, pelo aprendizado, dicas e também broncas;
1) Maldito fdp, jamais cumpriu sequer uma das promessas que me fez. Sempre de mau humor, consegue a todo o momento desmotivar a equipe com sua incompetência e métodos pré-históricos de trabalho.

2) Para toda a equipe da Área de Pessoas, em especial para a Luciana.Hauber, pela simpatia, disposição em resolver meus problemas e também por ter me selecionado (hehe);
2) A vaca do RH, pelo mau humor cotidiano e clara insatisfação em ajudar quem quer que seja.

3) A toda equipe de TI, que prontamente solucionou inúmeros problemas em nosso sistema;
3) As incompetentes da área de sistema, que demoram uma eternidade pra resolver qualquer problema em nossas máquinas, e normalmente o fazem com cara feia e má vontade.

4) A equipe do nosso escritório Regional do Rio de Janeiro, pela ajuda com nossos eventos;
4) Aos sanguessugas do escritório regional, incapazes de resolver qualquer problema por conta própria, fizeram eu perder inúmeros finais de semana para ajudar em situações que eles criaram.

Fica aqui o meu grande abraço para todos vocês, pelas risadas, happy-hours, problemas resolvidos e desafios enfrentados. Tenho orgulho de ter feito parte desta família maravilhosa.
Adeus para todos. Chega de fofoca, baixo nível, picuinha e palhaçada.

Sei que conversaremos em breve.
Nunca mais quero ver nenhum de vocês.

Abraços
VTNC

Paulinho

Escritórios corporativos: uma grande cocheira!

O dicionário Michaelis define baia como “Trave ou tábua para separar, nas cavalariças, as cavalgaduras umas das outras. 2 Compartimento individual para cavalgaduras numa cavalariça; boxe. 3 Porta rústica de paus trançados”. Portanto, é de se esperar que as baias sejam encontradas em cocheiras, para separar um cavalo do outro.
Porém, o modo corporativo de organizar o trabalho mudou isso. Os corporativos se gabam muito por movimentar milhões de dólares diariamente (ainda que nenhum centavo desse dinheiro seja seu...), ter ganhado da empresa um aparelho celular com touch screen e um notebook recondicionado, estar envolvidos no core business da empresa (palavras em inglês nesse meio são muito valorizadas) e enviar diariamente reports ao LARHQ (Latin America Regional Head Quarter), localizado em Miami, para algum outro latino safado que, por trabalhar nos EUA, só aceita emails em inglês, uma vez que português e espanhol são idiomas do terceiro mundo que ele já deixou para trás há muito tempo e para onde não tem a menor intenção de retornar. Todavia, apesar de toda essa suposta pompa, em geral os corporativos passam 80% de seu tempo enfiados em suas baias no escritório. Sim: as mesas de trabalho nos escritórios estão separadas em baias, exatamente como nas cocheiras! E analisando-se bem, nota-se que os corporativos são realmente como cavalos (pangarés, claro): trabalham o dia inteiro em troca de um pouco de comida (no caso, em troca de um salário medíocre e um falso status profissional), não tem horário para nada, correm o tempo todo, levam esporadas a todo momento, são guiados por rédeas curtas, têm que agüentar um infeliz montado em cima de suas costas o dia inteiro (gerentes incompetentes, diretores falastrões, colegas de trabalho canalhas, dentre outras figuras caricatas do show business corporativo) e, logicamente, passam boa parte do seu tempo em baias!

quinta-feira, 5 de março de 2009

10 dicas para se passar por alguém atarefado (e ganhar pontos no mundinho)

1 – Nunca chegue ao escritório de mãos abanando. A dica aqui é passar numa padaria e levar um saquinho com pães de queijo e uma Coca-Cola. Não ter tempo para comer é bem visto na empresa.

2 – Leve a gravata na sexta-feira e a deixe sobre sua mesa. Se te questionarem o porquê daquilo, diga que talvez tenha que passar no cliente no final do dia. Na sexta-feira seguinte, use outra desculpa. Diga que tem uma festa importante para ir à noite, mas que, por causa do grande volume de trabalho, terá que ir direto do trabalho.

3 – Pelo menos uma vez ao dia desconecte seu laptop da base e caminhe com ele até uma das extremidades do escritório, com a testa franzida e olhando para o horizonte. Vão pensar que você tem algo muito importante para resolver.

4 – Nas comemorações dos aniversariantes do mês, chegue atrasado, de preferência após o Parabéns. Entre na sala, coma uma coxinha, puxe o saco de alguém acima de você na hierarquia e diga: “bom, pessoal. Deixa eu voltar lá. Tem um monte de ‘buxa’ pra resolver ainda...”

5 – Se alguém ligar no seu ramal (seja quem for) pedindo uma ajuda sua na mesa dele, diga: “me dá 10 minutinhos?!? To no meio de um raciocínio muito importante aqui”.

6 – Mantenha sempre, não importa o que esteja fazendo, uma planilha de Excel e uma apresentação de PowerPoint abertas!

7 – Faça xingamentos esporádicos em inglês ao longo do dia na frente do computador: “Shit!”! “God Dammed!” “Fucking bastard!”. Isso mostra que está estressado e lutando contra as muitas coisas que tem para fazer.

8 – Relute muito para aceitar convites de almoço, happy hours e afins. Diga que está cheio de coisas e que não sabe se poderá ir. Se decidir ir, chegue atrasado e dê um jeito de sair mais cedo que os demais.

9 – Mande emails em horários esdrúxulos. Faça assim: no dia que estiver com insônia, acesse o seu email da empresa e mande uma mensagem copiando, pelo menos, algum chefe e alguém subordinado a você. Se você não tem insônia, mande emails antes das 8h da manhã copiando as mesmas pessoas.

10 – Por fim, exagere nas abreviações nos emails. Use “asap” (as soon as possible), “Abs” (abraços), “BR” (Best regards)”, etc. Gente atarefada, não pode perder tempo escrevendo muito.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Estimulando a diferença social

A corporação é um excelente exemplo de como criar e incentivar a diferença social. Comumente, o cargo e a pessoa se confundem. Ou você acha que o gerente sênior consegue admitir que você, estagiário de administração de vendas (praticamente um rato na pirâmide), conhece Paris melhor do que ele? Não seja ingênuo...

Os exemplos são infinitos. Tentaremos ilustrar aqui um dia comum, com toda a sua esfera de preconceito.
Chegando ao portão da empresa, já logo se depara com aquele estacionamento gigantesco para 500 carros onde pouco mais de 300 vagas são ocupadas. Conseguir uma vaga dentro da empresa é como conseguir uma vaga no Céu. Mas Deus, nesse caso, é Luciana Hauber, a menininha do RH, que faz de tudo para deixar o maior número de pessoas de fora desse oásis. E por que isso? Simples: vice-presidentes, diretores, gerentes e coordenadores não podem ter seus belos Corollas, Tucsons e Vectras misturados com Pálios, Gols, KAs, Unos... Ainda no estacionamento, reparem como as vagas são organizadas: diretores têm vagas cobertas a menos de 20m da porta de entrada; gerentes, as próximas vagas e, lá no final, as vagas dos coordenadores. E o resto? Ah, o resto pára em qualquer lugar! Por conta da empresa? Não, não! A lei é clara: esse benefício não é obrigatório!

Na hora do almoço, a diferença se faz clara novamente. Diretores e gerentes sênior não ganham ticket; ganham o famoso cartão corporativo. Com ele podem conhecer lugares que nuuuuuunca teriam condições de ir como “PF”. E a qualidade do almoço vai crescendo como um gráfico, dia após dia da semana. É segunda no Ráscal, terça no Barbacoa, quarta é dia Fogo de Chão, Quinta vão no Gero e sexta fecham com Figueira Rubayat! Quanto luxo! Quanto desperdício!

No próximo degrau da escadinha corporativa, estão os demais gerentes. Em algumas empresas, seus vouchers diários para refeição (o famoso “Tique”, para os peões) são uns 30% maior que o do resto dos funcionários. Isso permite a eles irem ao melhores restaurantes, com extravagâncias periódicas. Mas o que chama a atenção neles é o horário que saem para almoçar. Reparem: nunca saem ao meio-dia! É, no mínimo, 12h50! Afinal, vai que eles encontram o estagiário no mesmo restaurante, né?

No próximo nível estão os meus preferidos: coordenadores e analistas-sênior. Esses são demais! São aqueles que querem ser, mas não são (quase) nada na empresa. Mas como querem ser, copiam os que são. Apesar de terem que bater cartão, o que exige que sua chegada seja entre 8h e 8h30, eles não saem ao meio-dia tampouco. Estão caindo de fome, mas meio-dia é horário de chão de fábrica, de proletário, de baixo escalão. Eles acham que não são nada disso! Saem 12h50, ganham o ticket normal da companhia, mas vão a restaurantes “de gerente” todo dia. Resultado: é dia 15 e não têm mais do que R$ 30 nos seus Smart VR.

Vou pular agora os demais profissionais do meio da pirâmide (porque não tem graça) e vou para os lá de baixo! Ah, o pessoal de adm de vendas, TI, produção... Eles não ganham nem ticket! E tem que bater cartão até na hora do almoço! Resultado: é marmita na copa, brother! E ao meio-dia! É marmita e Coca 2L!

Assim é que se almoça nessa torre de babel corporativa! E eu sempre me pergunto: porque uns podem almoçar melhor do que outros? Salários diferentes, dá para entender. Benefícios diferentes, também! Mas... ticket!?!?!?!?!? Não é um pouco estranho dizer que esse tem que comer melhor do que aquele? Que este estômago é mais nobre do que aquele? Não sei se estou viajando, mas, isso, eu não compreendo...

E a diferença não pára aí não! Uns têm ar-condicionado no local de trabalho, outros não. Uns podem tirar uns dias, outros não. Uns batem cartão, outros não.

E ainda temos que agüentar a tal da Responsabilidade Social empresarial... Dizendo que fazem bem para a sociedade em que estão inseridas, blábláblá. Mas não cuidam nem da diferença social dentro de suas próprias micro-sociedades... Quanta hipocrisia.